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Laos: A nota ‘maldita’ que todos temem

Laos: A nota ‘maldita’ que todos temem

E quando uma nota ‘choruda’ provoca imensa apreensão? 

Vienciana. Verão que nos derrete. Entro em banco com ar moderno. Diria até futurista, tendo em consideração que no Laos poucas coisas são verdadeiramente novas, audazes a perspetivar o futuro. Bendito ar condicionado. O nosso aspeto não condiz, seguramente, com o lugar. É já muito tempo por rotas e caminhos desgastantes em opções alternativas na estimulante Ásia. O ar relaxadamente moído – suado, t-shirt amarrotada, calções desgastados, calçado de trekking a precisar de descanso – contrasta com o tesouro que carrego em mãos.

A simpatia habitual no continente. E um amigável acenar de cabeça. Apenas até ver a nota. O sorriso do caixa voa num ápice. Notoriamente atrapalhado, pede-nos um minuto e liga a alguém. Segundos depois, bem asseada jovem conduz-nos ao primeiro andar. Diz-nos que esperemos numa sala. Seremos atendidos por funcionário bem engravatado, pose positivamente altiva.

O seu rosto deve ter experimentado todas as cores do arco-íris. E a garganta seca-lhe. Colocamos-lhe na secretária o equivalente a dez salários mínimos no seu país. Numa só nota. De 500 euros. Fica perdido. Sem saber exatamente como proceder. Segura a nota. Vira-a. Olha uma e outra vez. Usa a calculadora. Refaz as contas. Repetidamente. Literalmente, começa a suar. O seu inglês já sai aos solavancos.

Pega, também, no telefone e chama o seu superior. Sugere que aguardemos um instante. “Tranquilamente”, sossegamo-lo.

Chega com ar sorridente, confiante, de acordo com o estatuto. Parece-nos o gerente. Ainda assim, um amarelo desassossegado não lhe sai completamente da expressão. Há naturais dúvidas, reservas. O país não está imune a dinheiro falsificado.

“Então, querem destrocar os 500 euros?”, questiona. O óbvio que já tínhamos ouvido antes. É precisamente por isso que ali estamos. A ideia não é exibir a nota por mera diversão.

Com a firmeza mais hesitante alguma vez vista, dá ordem para avançar. Exibe uma quase convicção resignada de que vai correr mal, mas sinto-lhe um certo orgulho impossível de prescindir nestas situações. Trata-se de um dos países mais pobres do planeta, é verdade, porém entende que não são três ‘manfios’ mal vestidos e com barba preguiçosa que vão colocar em causa a grandeza e solidez da instituição. A vaidade de um país nas suas mãos.

Não o quero a sofrer. De todo desnecessário. Para reforçar a sua convicção, pego no meu passaporte e dou-lho. “Vá, tire cópia dos dados. Se houver qualquer sarilho, tem algo com que se defender”, digo-lhe.

Gentilmente, diz-me que não. Reiteradamente. Até que me levanto e lhe entrego os três passaportes. A sua parcimónia esfuma-se e a nossa insistência frutifica. Noto um razoável alívio na expressão da dupla.

Abandonadas as instalações bancárias, o feitiço virou-se contra nós, que agora assumimos idêntico semblante: afinal, transportamos verdadeira fortuna, para a realidade do Laos, com largas dezenas de notas a necessitar de camuflagem.

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28 Comments

  1. Ruthia

    Oh Rui, fiquei aqui condoída dos pobres homens. Isso é coisa que se faça? Tinham que tomar um banho, fazer a barba e vestir qualquer coisa mais elegante, simplesmente a pensar na paz de espírito dos bancários locais!
    Maravilhosa história 🙂

    1. Rui Batista

      :))) Para a próxima terei isso em conta, Ruthia lol

  2. Gabriela Torrezani

    Bela crônica! Eu entendo a sensação que uma nota dessas causa em um país pobre de moeda desvalorizada. uma nota de 500 euros também são muitos salários mínimos no meu país. E mesmo morando agora na Europa, uma nota dessa me assustaria! heheheheh

    1. Rui Batista

      Uma ‘incúria’ que não se repetirá 🙂 tenho ‘pavor’ a tanto dinheiro :)))

  3. Alessandra Fratus

    Uau! Quero uma ‘choruda’ também! Imagine dez salários mínimos numa só nota. Dá até uma emoção ao segurar a nota. Emoção dá mesmo ao ler seus textos que nos fazem viajar! Ótima leitura como sempre.

    1. Rui Batista

      Obrigado pelo carinho, Alessandra 🙂 Posso dizer o mesmo das tuas aventuras… bjksss…

  4. NiKi Verdot (1001 Dicas de Viagem)

    HIAuhuaihuia Adorei! Engraçado que quando cheguei na França (me mudei em set/2016), vim com praticamente todo meu dinheiro em espécie e tive que ficar andando com a minha pequena fortuna até conseguir abrir uma conta no banco. E nesse meio tempo, quando precisávamos trocar notas de 100 euros já era um evento dramático deste tipo. Diversos lojistas nos disseram que não é tão comum andar com notas tão altas então eles precisam fazer diversas conferências para garantir que não são falsas.

    1. Rui Batista

      Na altura, no Laos, não tinham esse sistema para confirmar… pelo menos, no banco em causa não o apresentaram. Daí o “suor” abastado :)))

  5. Tatiane Dias

    Que texto leve e lindo!
    Deve ser uma situação muito diferente para todos. Eles com tantos salários numa única nota e vocês que poderiam se sentir exibidos.

    1. Rui Batista

      Foi mesmo incúria, Tatiane. E sem alternativa, pois ficamos sem dinheiro. Uma confissão: quando esses 2 amigos viajavam comigo – e corremos os 5 Continentes juntos – a minha única ‘regra’ era não tocar em dinheiro 🙂 Bela sensação de liberdade…

  6. Flávio Borges

    Realmente uma situação inusitada hein? Certamente uma nota de valor tão alto causa uma certa estranheza. Aqui no Brasil, tenho certeza que as reações não seriam muito diferentes não.
    Abraços e parabéns pela escrita!

    1. Rui Batista

      Obrigado, Flávio, e grande abraço! Confesso que até eu suaria 🙂

  7. Diego Cabraitz Arena

    Que situação. Nunca peguei numa nota dessas, mas deve ser uma mistura de desconfiança e espanto. haha
    Mais um ótimo texto, adorei =)

    1. Rui Batista

      Obrigado, Diego, e grande abraço!

  8. Amanda Saviano

    Adoro essas cronicas/relatos/posts seus! Que aventura, hein! rsrs A realidade de cada país é tão interessante! Por isso que amo esses relatos sinceros e que mostram tanta cultura em poucos momentos!

    1. Rui Batista

      🙂 Obrigado, Amanda. São estas as histórias que não desejo perder… e as que mais me dizem sobre os países. Beijinho e boas viagens…

  9. Christian Gutierrez

    Com esse dinheiro na mão numa viagem qualquer um ficaria assustado, 500 euros é muito dinheiro em qualquer país e na Ásia vai muito, me lembro de trocar 400 dolares e pegar mais de 4 milhões em dinheiro da Indonésia.

    1. Rui Batista

      Christian, quase que precisaste comprar uma nova mala para carregar o dinheiro :))) Grande abraço e boas viagens!

  10. Michela Borges Nunes

    Que texto gostoso de ler… fiquei viajando por aqui, como se estivesse vivendo a situação. Deu dó do povo de lá (10 salários mínimos!!), mas são tantas vivências em uma só viagem né? Por isso não me canso de viajar…

    1. Rui Batista

      Obrigado, Michela 🙂 Sim, este Mundo ainda está cheio de disparidades e injustiças… beijinho e boas viagens…

    1. Rui Batista

      Obrigado, Adriana 🙂 Beijinho e boas viagens…

  11. Carol Duque

    Adorei saber dessa história! Nunca estive no Laos, mas pelas linhas do seu texto consegui me transferir um pouco para a realidade deles. Numa imaginei que uma nota de 500 euros fosse causar uma reação dessas. Parabéns pelo texto!

    1. Rui Batista

      Obrigado, Carol 🙂 Nada como ir recordando experiências que nos marcam, ‘detalhes’ que dizem muito sobre os países.

  12. Viviane Carneiro

    Nossa… que situação inesperada e que texto interessante. Uma nota dessas causa uma estranheza em qualquer um.

    1. Rui Batista

      :))) Acredito que não seja fácil… nem para mim :)))

  13. Gisele Ramos

    Que belo texto! É sempre um choque de realidade visitar um país pobre. Que bom que deu tudo certo!

    1. Rui Batista

      Tudo está bem, quando acaba bem 🙂 Beijinho e boas viagens…

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