Em Mombaça, no Quénia, há um homem com um brilho especial…
“Podes tirar fotografia, mas sem apanhar os meus olhos”, diz-me Ibrahim, que sorri a cada vez que insisto em suprir essa condição.
O meu interlocutor irradia uma luz intensa, quase divina. Certamente bem distinta da habitual em nós humanos.
Digo-lhe isso mesmo. Quando o desejo fotografar, explico-lhe os motivos. Agradece, porém sente que pouco contribui para esse mérito.
“Queres uma luz assim? Eu digo-te o segredo: ter somente uma só mulher e rezar todos os dias. Tão simples quanto isso”, atira-me. Dir-lhe-ei que sou solteiro e descomprometido. E que não professo qualquer religião. Passarei a ser o tema da conversa. Não entende nem uma, nem outra opção de vida.
Ibrahim é muçulmano e está ‘autorizado’ a desposar várias mulheres, porém escolheu ter apenas uma. Com quem construiu uma família com quatro filhos. “Até ver…”, faz notar.
É carpinteiro. Pela amostra, parece sobrar-lhe trabalho. Que distribui por dois ou três ajudantes. “Se podemos ajudar o próximo, devemos fazê-lo. Tenho o suficiente para mim”, diz-me, como se não houvesse alternativa à sua postura. Humanidade ‘1’, capitalismo ‘ZERO’.
Digo-lhe que as mulheres do grupo Bornfreee que me acompanham realçam a sua beleza enquanto homem. Aceita os elogios com naturalidade, remetendo-me para as mesmas virtudes que antes me anunciara.
Do outro lado da sua loja, há uma bandeira de Portugal e uma mensagem de ‘saudades’ pelo país.
“É de alguém que nunca foi a Portugal, mas tem honra nos seus antepassados”, revela, continuando fixo no seu telemóvel, não vá o meu apontar, inadvertidamente, em direção ao seu olhar.
Agradecerei a boa cavaqueira e a oferta de chá, recusada pela necessidade de seguir caminho. Fixa os olhos nos meus e sugere-me que acredite “num deus qualquer”.
“E não te esqueças de arranjar uma mulher!”, grita-me, quando já me tem afastado das suas costas, prestes a sair pela porta de trás da sua oficina.
19 Comments
Rui, que bonito, eu já falei mil vezes, falo novamente, adoro como vocÊ consegue se conectar com as pessoas em suas viagens e faz crônicas tão bonitas disso. E se todo mundo desse um 1 humanidade x 0 capitalismo por dia o mundo seria muito melhor, né?
<3 Espero que saia um 'coração' daqui :) Obrigado, Gabriela. Para mim as viagens só fazem sentido quando as pessoas com as quais me cruzo são a primeira, segunda e terceira (...) melhores experiências. Temos TANTO a aprender e partilhar... Beijinho e excelentes aventuras!
Belíssimo texto. Reforça a minha ideia que a experiência de viajar fica completa quando nos identificamos com o outro, o diferente! Incrível!
É isso mesmo, Alessandra! O “outro” é sempre o mais importante em viagem… e há tantas experiências fantásticas à nossa espera…
Que interessante conhecer diferentes tipos de pessoas, de pensamentos…cada um vive a seu modo e isso que é bacana. Você conhece novas perspectivas de vida. Adorei a sua conversa com o Ibrahim.
Mariana, o Ibrahim é um ‘sábio’. ADOREI a sua serenidade e filosofia de vida. Mesmo não sendo eu um homem religioso… beijinho e boas viagens!
Uma viagem é também se encantar pelas pessoas que encontramos em nosso caminho. Texto leve, saboroso. E que pessoa doce o Ibrahim. Obrigada por compartilhar esse momento. Boas viagens para ti. Bons encontros pelo caminho.
Oi, Rui! Que experiência fantástica você relatou… muito legal quando as viagens nos proporcionam ver o mundo sob a ótica do outro, ainda que sua filosofia de vida não se aplique à nossa existência. Adorei o texto e a forma como você descreveu este encontro. Grande abraço!
Obrigado, Regina 🙂 Bons Homens ajudam a boas histórias… e o Ibrahim é, seguramente, um excelente ser humano, mesmo que não partilhemos todos os valores. Beijinho e boas viagens…
Que giro, Rui. O Ibrahim é daquelas pessoas nos enriquecem as viagens e enquanto pessoas. É para isto que viajo. Boa, Rui!
É isso mesmo, Carla. Imagino também quantos ‘Ibrahim’s’ conheceste por este Mundo fora. Malta que tanto enriquece as nossas viagens e nos ajuda a ‘crescer’…
Rui, conseguiu tirar tantas lições profundas de poucos momentos de visita, lindo.
Edson, a ver se aprendo com alguma delas :))) Grande abraço!
Quem acredita em algo superior, chame-lhe Deus ou qualquer outra coisa, não vive uma vida vazia de sentido. O brilho que encontraste no Ibrahim é também isso. Ele encontrou o sentido para a sua vida, tem tudo o que precisa para ser feliz ali mesmo: fé e amor. Quanta beleza encerrada nesta simplicidade.
É isso mesmo, Ruthia. Confesso que já encontrou bem mais do que eu nesta demanda 🙂 Sentir-se-à mais completo… Obrigado pelas tuas palavras. Beijinhos e boas viagens…
Fico tão feliz de ler esses relatos e saber que está guardando pra você mesmo as lembranças incríveis de uma viagem e ainda compartilhando com a gente. Obrigada ❤
Victoria, estes relatos têm uma importância acrescida, pois servirão para um dia recordar o privilégio de vida que tenho tido a explorar o Mundo…
Adoro a maneira como tu escreves, chego a sentir uma pontinha do encantamento que tu deves ter sentido nesse encontro com o Ibrahim.
Obrigada por compartilhar!
Obrigado, Helen 🙂 Felizmente, quando estamos abertos ao ‘outro’, vão surgindo situações várias para nos encantarmos 🙂 Beijinho e boas viagens…