Não é fácil chegar ao Bangladesh, muito menos aos campos de refugiados Rohingya perto de Cox’s Bazar.
Palmilhar diariamente campos de refugiados no Bangladesh, tentando perceber o quotidiano e causa Rohingyas – povo expulso do vizinho Myanmar em genocídio com o tradicional total desrespeito pelos direitos humanos, perante uma comunidade internacional no papel de paciente observadora – não será o ideal de férias para muita gente. Compreendo-se. Não será o mais oportuno. Eu e o Luís Octávio Costa, amigo e também jornalista, do Público, decidimos assumir as virtudes do contrário.
Desta vez partimos não em busca de um destino, de lugares paradisíacos e experiências fantásticas, mas à procura de entender (mais esta) loucura da humanidade, que me parece cada vez mais adormecida, preocupada e ocupada com as irrelevâncias do quotidiano.
Chegar ao Bangladesh revela-se uma épica jornada, com escalas em Madrid e Riad, Arábia Saudita, neste caso para dolorosas 12 horas no aeroporto (sem visto para entrar). O corpo queixa-se, impacienta-se, contudo o projeto agradece a poupança de uns 300 euros para cada um.
Estamos há mais de 24 horas em viagem, é noite e, mesmo estando a pouco mais de uma hora de voo, já não dá para prosseguir desde Daca, a capital do Bangladesh: optaremos por pausa de duas noites, antes de aterramos em Cox’s Bazar.
Estamos cada vez mais próximos dos campos de Kutupalong, onde desejamos trabalhar vários dias neste projeto apoiado pela Bolsa de Exploração da NOMAD.
Dispor de boa internet, para o desejado envio de vídeos, é fundamental, pelo que sou cuidadoso na escolha do hotel. Windy Terrace parece-me bem. Até ao momento em que, na receção, nos dizem que não temos disponível o quarto reservado há dois meses. Os detalhes do filme são maçadores e enervantes, pelo que me dispenso a reproduzi-los. Importa é que acabaremos em hotel bem pior e a pagar mais. Estou a preparar sentidos agradecimentos à Booking.com – nomeadamente ao seu zeloso representante na cidade – pela forma elegante como nos tramou.
Ninguém pode trabalhar nos campos sem uma autorização especial, que implica a ação de várias entidades até ser validada por um representante do Estado do Bangladesh. A Lusa já tinha feito uma carta, a Organização Mundial para as Migrações (OIM) dá uma forte ajuda no terreno (além de transporte e tradutor), tirámos as fotos da praxe (encostados a uma parece e com a máquina a um metro do rosto) e já estamos em frente ao responsável governamental.
Já esteve em Portugal. Percebe-se o seu entusiasmo, pois, como já nos haviam prevenido, vai mostrar-nos o sem fim de fotos que tirou nessa visita há um par de anos. Começa por ser engraçado, porém há mais gente que precisa da autorização – nova ou de renovação – para os campos e percebe-se uma sublime impaciência. Tudo ficará resolvido.
Falha de comunicação faz com que neste primeiro dia ainda não experienciemos a vida nos campos. Acompanhamos um responsável da OIM para a prevenção de crises, não apenas na área estrutural, também comportamental. Percebermos que é tão importante ajudar a comunidade local que partilha os recursos com os novos vizinhos – agora entre um e 1,2 milhões – Rohingya como dar suporte aos próprios refugiados. O nível de pobreza e vida precária é muito semelhante. As histórias de vida é que são bem diferentes.
O momento há quanto aguardado está a aproximar-se. Diariamente, serão entre quatro a cinco horas em transporte, privado, por estradas difíceis e superocupadas. Nada que se compare ao sofrimento de quem é vítima de hedionda desumanização. Estamos prontos.
20 Comments
Bolas que não foi nada fácil chegar ao destino. Muito poucas pessoas passariam “férias”, melhor dizendo, gastariam dias de férias, num lugar assim. Mas tu não és uma pessoa qualquer. Respeito e admiração profunda pelo ser humano que és. E as imagens que partilhaste no IG são maravilhosas
Ruthia, o mesmo respeito e admiração que, muito genuinamente, nutro por ti 🙂 Esta experiência é única e será para repetir, em outros pontos do globo com distintas causas… obrigado por estares desse lado 🙂 bjksss…
Rui, que trabalho importantíssimo você está fazendo. Ficarei ligada para ler os próximos relatos. A humanidade me parece cada vez menos humana. Mês passado atendi uma mãe de Bangladesh que me contou sobre os campos de refugiados e tudo o que vem acontecendo por lá há tantos anos. É muito triste 🙁
Gabriela, através desse relato percebes um pouco o que se está a passar… com o Mundo a fechar os olhos. DESUMANIZAÇÃO. As histórias são horríveis, macabras… e o povo Rohingya parece não ter paz e felicidade no horizonte…
Que passeio difícil, Rui. Eu gosto muito de suas viagens, por fugirem do tradicional e nos apresentar um mundo bem diferente daquilo que vivemos no dia-a-dia. E suas fotos realmente são lindas.
Obrigado, Edson. As viagens ‘tradicionais’ não puxam tanto por mim, embora respeite todo o tipo de viagens. Cada um sabe o que precisa e o que lhes faz bem 🙂 Ainda bem que gostas… muito bom ter esse feedback. Abraço transatlântico…
Se fosse fácil, não seria para o Born Freee!Grande abraço e continua a ensinar-nos como é viver aí.
:))) Obrigado, Vítor. Desafios são sempre bons, sejam em que área forem. Grande abraço!
Deve ser incrível visitar um campos de refugiados e ainda mais em Rohingya. Que experiência linda, uma viagem totalmente for do tradicional.
Não é fácil, Christian, porque é um misto de sentimentos. Estamos entre a impotência de fazer algo concreto, imediato, e o peito cheio por ver o amor e alegria que estas crianças – não muito conscientes da sua situação desafortunada – têm para dar.
nossa 5 h de transporte em ruas que não estão em boas condições deve ser bem dificil, mas eh pouco comparado aos que as pessoas estao passando!
Muito pouco, Angela. São horas que nos ‘situam’ neste pequeno inferno – ou permanente Inverno – que é a vida dos Rohingya…
Super interessante essa experiência de vcs! Estou acompanhando aqui e no Instagram! Colaborar em situações como essa além de ajudar a quem precisa certamente os fará crescer muito!
A todos nós, Bruna. Se servir para ‘consciencializar’ mais uma pessoa no mundo para causas importantes, então o meu trabalho estará feito 🙂 Obrigado por estarem desse lado…
Sempre de parabéns por todo este trabalho, seu lado humano, e por compartilhar com a gente aqui do outro lado estas histórias.
Obrigado pelas palavras, Eloah 🙂 Feliz por a saber entre os que estão desse lado… beijinho e boas viagens…
Uau. Que diferente a ideia de fazer uma viagem como essa eim! Mas a experiencia deve ser muito boa!
Tem de tudo, Diego. Mas está a ser, a todos os níveis, inesquecível…
Muito legal o que vocês estão fazendo. Realidades que muitas vezes não estão nem nas notas pequenas do jornal, e ao mesmo tempo uma bofetada para quem reclama de coisas tão pequenas.
Os Media parecem ser, cada vez mais, puro entretenimento. Cada vez se informa menos. Desumanizam-se causas como esta, em que mais de um milhão de pessoas ficaram sem a vida que conheciam, sobrevivendo nas condições básicas que lhes são permitidas.