O abrigo berbere contra os (vários) invasores da Argélia é impressionante balcão esculpido na rocha com vista para deslumbrante cenário.

Varandas de Ghoufi. Só o nome (‘balcons de Ghoufi’, no francês que o mundo ocidental melhor conhece) já desperta a minha curiosidade mesmo antes de mergulhar na aventura deste local que se revelará de singular beleza natural. É, por isso, que evito procurar muitos ‘esclarecimentos’ antecipados quanto aos lugares que visito: não quero arriscar perder a magia do inesperado. Prefiro chegar ‘virgem’, pouco sabendo do que vou descobrir. Na verdade, mesmo que quisesse, acreditem que não é tarefa fácil encontrar informação sobre a Argélia.

Eu e o Octávio (instagram.com/kitato) partimos cedo de Biskra em direção a Timgad, antiga cidade romana, também Património Mundial da UNESCO. Ghoufi fica a caminho. O céu resplandece de azul, como que engalanado para (mais) uma jornada de encantamento no maior país de África. Já estamos em estrada de montanha, onde se insinuam aldeias soalheiras e gente que nos conquista pela sua afabilidade. Num modesto povoado que já teve um café chamado AMOR, ‘perco-me’ em artesanato. A complexidade de comunicação com o sexagenário que gere a empoeirada loja não é das piores, até porque a linguagem gestual vai permitindo que nos entendamos. No fim, e apesar dos gastos não serem, para os nossos padrões europeus, muito elevados, já ganhou o dia. Sem cerimónia, exibe amigável felicidade. Entende presentear-nos com uma pequena estatueta feita de areias autóctones antes de se decidir a prolongar o contacto, convencendo-nos para um café que de muito bom grado aceitamos. Trava-me quando tiro umas moedas do bolso: faz questão de pagar. Trocamos sorrisos e palavras de empatia. Faz-nos prometer que, quando regressarmos, ficaremos em sua casa. Terá todo o gosto em mostrar-nos a sua região. Pelo nosso olhar, sabe que voltaremos…
Asfalto, estamos de volta. Seguimos o horizonte, em busca de outro entusiasmante legado UNESCO para as vastas memórias BORNFREEE.


Há um primeiro sinal de desvio para o desejado Canyon, mas (mais uma) barreira policial leva-nos a optar por tentar outra entrada. Não temos pressa. E só teremos de conduzir um par de minutos até sermos bem-sucedidos. Ao primeiro olhar sobre Ghoufi, estacionamos desleixadamente o carro. É puro entusiasmo que nos impede de petrificar ante a fotografia que se completa ao nosso olhar. A imagem é soberba e cada centímetro que o véu vai desvendando são infinitas ondas de espanto. Arrebatamento.
Eu situo-vos: estamos numa extensão do maciço do Atlas, no Leste da Argélia, em que o Dejebel Chélia, de 2.328 metros, é o seu ponto mais alto, ainda assim aquém do marroquino.
À nossa frente, um rio que serpenteia timidamente entre imponentes paredes, que no topo têm escavadas casas, com mais de 400 anos, autenticas cavernas agora desabitadas: os ditos “balcons” de Ghoufi.
As ‘varandas’ de vários conglomerados de habitações foram construídas como uma cascata na encosta, acima do vasto palmeiral, cujo verde contrasta e refresca os quentes castanhos da árida paisagem. Estes balcões naturais atraíram os berberes em tempos antigos pelo seu clima temperado, e, sobretudo, pela proteção que ofereciam em períodos de dificuldade.

A região serviu de refúgio a tribos berberes que aqui resistiram contra todo o tipo de invasores: romanos, vândalos, bizantinos, árabes e, finalmente, os franceses. Encontraremos residências ‘penduradas’ no imponente maciço, como uma tribuna para majestoso panorama. Imagino-me há centenas de anos a contemplar lentas caravanas de camelos a cruzar o desfiladeiro…
Há umas escadas que descem até ao rio, neste momento com tímida exuberância. Algumas famílias optam por domingo de piquenique nesta área assombrosa. É, sem dúvida, um sítio encantador. Pueril conto de fadas…
A Transatlantic, uma das maiores cadeias de hotel do Mundo no início do século XX, construiu aqui um emblemático edifício em 1902, mas este acabou destruído em 1955 pelas forças de libertação da Argélia, que conduziram à sua independência em 1962. Este ato apenas aumentou o mistério histórico desta região…
O longo canyon Wadi Abiod atravessa toda a região de Tifelfel rumo a M’Chouneche. São quase quatro quilómetros na companhia de um rio, com jardins de árvores de fruto e palmeiras a salpicar o cenário, dominado por abruptas falésias com mais de 200 metros.

Com vista para o oásis, os antigos ‘lares’ são talhados em cascatas na rocha que as habitou nos últimos 400 anos. É assim que nascem várias aldeias agarradas ao precipício/abismo. Arquitetura tipicamente berbere. Os materiais usados são de pedra polida e pedaços de palmeiras mortas, já que as outras são demasiado preciosas, inesgotável fonte de vida.
À semelhança das Montanhas Rochosas e do Grande Canyon, nos Estados Unidos, as gargantas do Ghoufi são compostas por rochas metamórficas e sedimentares, e de um tipo de vegetação tipo oásis, especificidade única desta região.
A região é uma das áreas menos desenvolvidas do Magrebe. As tribos Shawia ainda deslocam sazonalmente os rebanhos para locais que permitem melhores condições de pasto. Vivem, por isso, em tendas. A agricultura é feita em socalcos nas montanhas, onde cresce o sorgo e vingam alguns vegetais. Aqui, nunca a vida foi fácil. Pelas invasões. Pelo clima. Pela natureza agreste. A tela é impressionante. Confirma-o neste vídeo aéreo. E coloca estas varandas na tua lista ‘visita obrigatória.
21 Comments
Que lugar lindo!!! Nunca tinha ouvido falar e já fiquei morrendo de vontade de conhecer…
Eliana, vale MESMO a pena. É sublime… bjks e boas viagens…
É por lugares, sensações e experiências como essa que eu viajo mundo afora! Ou, como agora, blog adentro, pelo olhar de outros viajantes como o seu! 🙂
Obrigado, Analuiza. Beijinho e muitas e boas viagens…
Nossa, é tanta coisa para comentar que daria outro post, mas vou falar sobre sua escolha pela surpresa da primeira vez. Hoje os blogs de viagem e as imagens de redes sociais ajudam muito no planejamento de nossas viagens, mas são de certa forma spoillers. Por outro lado, não houve nenhum lugar que eu tivesse visitado e não ficado surpresa, apesar de toda informação prévia recebida. Estar “lá” é infinitivamente melhor do que qualquer imagem filtrada ou relato, mesmo que seja tão bom quanto o seu.
Obrigado, Marcia. Mais do que dar dicas sobre como ir, quando ir e o que fazer – há demasiada gente a fazer isso… e a fazer bem – prefiro relatar a minha experiência. Fica para minha memória futura, para familiares e amigos perceberem o que tenho experienciado e há muita gente que me contacta porque um ou outro texto os tocou, de alguma forma. Beijinho e continuação de boas viagens… inspirando todo o tipo de pessoas com o teu projeto 🙂
Lugar lindo e cheio de histórias! Essa paisagem esculpida na rocha é bonita demaisss!
É isso mesmo, Viajante Comum, um lugar de singular beleza. Boas viagens!
Escolha peculiar, linda e histórica. Obrigada por compartilhar tamanha experiência conosco.
Obrigado eu pelas palavras, Luciana. Beijnho e boas viagens…
Que lugar incrível! De fato, pouco sei sobre a Argélia. Mas agora, deu vontade de saber mais, e de conhecer também!
Mariana, acredita que a Argélia é das mais belas surpresas deste planeta…
Rui, que experiência bacana! Viajei junto com você enquanto lia seu artigo. Certamente, eu também me perderia nos artesanatos.. heheh – ainda mais sendo na África, um continente que tanto desperta minha curiosidade mas que, infelizmente, ainda não consegui visitar. Abraços.
Guilherme, por TUDO, mete África no teu roteiro. E bem podes começar pela Argélia 🙂 Abraço e boas viagens!
Que relato bacana! É verdade quando você fala que é difícil achar coisas em português – e não duvido que seja em outras línguas também – sobre a Argelia. Não é um destino no gosto da maioria dos viajantes, mas me parece tao interessante! Acho que visitar o pais seria uma baita experiência!
Klécia, viajar por destinos longe das massas de turismo torna as experiências mais autênticas. Costumam ser as minhas favoritas. Um dia experimenta a Argélia 🙂 bjkss
Que maravilha de lugar! Adoro essas paisagens áridas do norte da África. Quero ir à Argélia este ano, mas não sei nem por onde começar – não comecei a fazer a pesquisa ainda. Obrigado por nos apresentar este lugar fabuloso. Com certeza vai entrar no meu roteiro.
Pedro, se precisares de algum conselho ou dica, contacta-me em privado. Terei o maior dos prazeres em ajudar. Vais AMAR! Abraço!
Incrível, Rui. Deu para sentir sua emoção ao ver o local pela primeira vez.
Adoro descobrir a existência desse tipo de lugar enquanto viajo. Histórias que jamais imaginávamos existir.
É isso mesmo, Fernanda 🙂 Obrigado, beijinho e boas viagens!
Fantástico saber que existem locais assim. A Argélia de facto vale bem a pena!