Se a amabilidade tivesse um nome, Mostafa seria merecida homenagem.

Nasir al-Mulk, em Shiraz, é fé em tons arco-íris, contudo há cores ainda mais quentes, expressivas e envolventes do que as que celebrizam esta mesquita: falo de Seyed Mostafa Rahemi. Não é um monumento, é um personagem. Real.
Terei dado uns 50 passos para a esquerda desde que saí de um dos ex-líbris de Shiraz, uma das imagens que levam o Irão a todo o Mundo. Os raios de sol batem nos vitrais e seguem caminho do outro lado em mil padrões. Ainda deslizo em serenidade quando, em rua pacata, me cruzo com “A Luz”.
Tem mãos enrugadas, grandes e fortes. Dentes arranjadinhos e brancos. Orelhas proeminentes. E um distendido cabelo branco que envolve um rosto de pura simpatia. Este octogenário é um perfeito símbolo da ímpar amabilidade que encontramos por todo o país.
“Esta loja era do meu avô. Depois passou para o meu pai e há muitos anos que sou quem mantém a tradição da família”, diz-nos, com a ajuda de um tradutor improvisado. Certamente lamentará tanto quanto eu não falarmos a mesma língua. Infelizmente, a bondosa e paciente intermediação não evitará as naturais perdas na comunicação…

Acena a sua simpatia com um sorriso tão aberto quanto as suas convidativas mãos abertas. Um íman que nos atrai e seduz para a sua carcomida e poeirenta loja. É bem mais antiga do que a sua existência e vende retratos. De pessoas mais ou menos conhecidas. Sobretudo, anónimos. A preto e branco, claro está. E sem qualquer moldura uniforme.
Reparo que há muitas de Zurkhaneh, o desporto dos ancestrais guerreiros persas. Uma estilizada forma de arte marcial, 2.000 anos mais antiga do que Cristo, e que transforma qualquer mortal num homem de aço. Não havia alternativa nos campos de batalha, onde se enfrentaram homens e chocaram espadas, lanças e escudos. Não chego a perceber se o meu querido ‘amigo’ foi praticante ou apenas um profundo entusiasta, como se depreende deste espaço. Não interessa.
Ao balcão, pétalas de flores. Vivazes e odoríferas. Que vai oferecendo a quem passa. Não para cativar uma compra, mas para oferecer sorriso. E contar a sua história…
Fala-me em farsi, com o seu olhar a perscrutar a atenção do tradutor. Respondo em inglês básico, tentando que tudo lhe seja transmitido, sem ocular detalhes. Elogio o seu rosto. Enalteço a sua amabilidade. Louvo o seu espírito.

Agora, orgulhosamente, as suas mãos mostram-nos o seu primeiro passaporte. Um documento de outros tempos, digno do mais impressionante mural de relíquias.
“Em outros tempos, viajei com alguma frequência. Visitei muitos lugares bonitos”, diz-nos, este explorador de gerações idas. A ânsia de saber tudo, tudo deste cativante personagem esbarra nas dificuldades de tradução. Que isso não seja problema. A linguagem corporal existe para ser usada. Há que improvisar e refinar a arte de comunicar.
Antes que sigamos o nosso caminho, tem algo mais para nos mostrar. Recortes de jornais com a sua formosa imagem. De vários períodos no tempo. De seguida, e como que sugerindo que lhes imitemos o exemplo, passa-nos fotos com turistas. As que muitos lhe enviaram, depois de posarem a seu lado. Como, orgulhosa e agradecidamente acontecerá connosco. Primeiro, no meio de admirador grupo feminino, altura em que o seu olhar mais brilha. Posteriormente, com o quarteto masculino. Sem que a sua expressão perca luz, entusiasmo. Mais do que vender fotos, Seyed Mostafa Rahemi oferece afetos. Experiências do melhor que o incomparável povo iraniano tem para presentear….
26 Comments
O vitral é lindo eim! Tão legal ler sobre essas histórias e ver um outro lado do turismo.
Diego, é importante agora tentar um meio termo… preservar a beleza sem banalizar o lugar.
Que bonita a história do Seyed Mostafa Rahemi, realmente conhecer esses “monumentos humanos” em viagens é o que realmente agrega e nos faz crescer, abrir nossas fronteiras e mente, entender outras realidades. Lindo relato!
Gabriela, são estas as experiências que mais me entusiasmam e marcam. Um país é, antes de tudo, o seu povo…
gostaria de ver esse passaporte, deve ser antigo e cheio de historias legais!
Era um passaporte de um tempo em que eu ainda nem havia nascido… e já tenho 48 anos 🙂 Muito respeito por este senhor, Angela…
Estou certa que passarias uma tarde inteira com ele, se não estivesses no papel de guia. Para além de lhe enviares as fotos que captaram, compraste-lhe uma? Estou curiosa para ver a imagem que escolheste.
P.S. as orelhas do senhor fazem lembrar as do Buda. Dizem que o Buda é representado com orelhas grandes porque uma das virtudes da compaixão é ser capaz de ouvir os lamentos do mundo…
Abraço
Ruthia, não sabia essa do buda 🙂 Gira… Estou em falta, ainda não lhe enviei a foto. Mas é coisa para resolver nos próximos dias. Certa vez, no Uruguai, passei uma tarde com quatro avós com 70/80 e tal anos. Foi das melhores experiências que tive em viagem… e sei que me entendes 😉
Que linda história de simpatia, viajando conhecemos tantas histórias legais né, e no Irão deve ter também história linda como esse né.
Christian, os iranianos são o povo mais amigável, afável e generoso que conheço… preciso de dizer mais?
Que personagem! É muito enriquecedor conhecer histórias como a de Seyed Mostafa Rahemi, uma das vantagens de viajar.
Fabíola, os iranianos são, realmente, mais do que especiais… um povo único. O Mostafa é apenas mais um belo exemplo…
Confesso que li estas linhas com um brilho nos olhos, essas são as melhores recordações das viagens!
Paula, também eu fico assim sempre que me recordo deste encontro… 🙂
Viajar é colecionar histórias na alma!
E esta história é daquelas que não vou esquecer, Fernanda… 🙂
E o que há de mais lindo do que compartilhar afeto? Ameiiii sua matéria! Espetacular
Daniela, estamos totalmente de acordo 🙂 Nada como a partilha de afectos… são as melhores memórias…
Uma grande experiência como só tu saberias partilhar! Isto sim, é viajar!
Grande abraço, Rui!
Clara, é ASSIM que gosto de viajar… não me imagino perder este tipo de encontros 🙂
Adoro ler suas histórias, como essa em especial. Parabéns pelo artigo
Obrigado, mas o mérito é TODO dos persas 🙂 bjksss…
Que encontro bonito. Conhecer pessoas assim torna os locais ainda mais vivos na memória. Quanta história ele deve ter para contar.
Andrea, é de pessoas assim que são feitas as nossas ricas experiências em viagem… As que perduram, para sempre, na nossa mente.
Que linda essa história. Estou embarcando para o Irã em menos de duas semanas e não vejo a hora de ter umas histórias parecidas com essa para contar!!!
Simmmmmm!! Vais adorar, Liany!! :))) Vai o quanto antes!!!