O ar impaciente do canadiano intrigou-nos. Tanto que nos aproximamos e acabamos por criar conversa.
“Com o tufão, vai deixar de haver eletricidade. E este é o único multibanco com visa nesta ilha. Há horas que espero pela disponibilidade de dinheiro. Nos próximos dias não vai haver”, assegurou-nos. “No vosso lugar, não facilitaria”.
Achamo-lo algo alarmista. As pessoas circulavam sorridentes, sem menor sinal de preocupação. Só horas depois, à segunda passagem por ele e vendo uma fila crescente, decidimos ser prudentes. Atestamos os bolsos para os próximos dias. Em boa hora.

O nível 1 do primeiro dia não deu para preocupar. Não chega a ser tufão. Apenas exigiu mudanças logísticas. Mal começou a chover, a nossa tenda, na praia, deixou entrar toda e qualquer gota. Ciente do inevitável, Jessa já nos tinha dado a chave do dormitório para quatro, com três camas vagas. Ocupamo-las sem cerimónia.
No dia seguinte, o tufão agigantou-se. Passou para nível três. Apenas um abaixo do Super-Tufão, ao qual nada resiste.
“Nunca tivemos aqui um nível três”, sorriu Jessa. O seu omnipresente sorriso foi perdendo confiança. Esbateu-se à medida que a tempestade ia ganhando peito. E como cresceu…
Era noite. Não tardou e deixamos a zona exterior do complexo. Cada refugiou-se no lugar em que dormia. A nossa “casa” é robusta. Pelo menos, parece das melhor estruturadas na ilha. Ainda assim, o teto vai levantando e caindo. De supetão. E clarões dão luz inesperada. Imaginamos que, a qualquer momento, podemos ficar sem o telhado do bungalow. Feito de madeira e folhas de bananeira e palmeira.
O barulho dos coqueiros a cair já nos é familiar. Vimos três ou quatro a desfazer-se no solo horas antes. Nunca se sabe quem apanham. Quantas vezes são mortais.
O vento é sinfonia brutal. Ouvem-se objetos a voar. A bater estridentemente não se sabe onde. Um turbilhão de poder descontrolado que dura apenas um par de horas. Acalma.
Saímos a ver os estragos. Carrinha com trabalhadores da proteção civil traz motosserras. Desfazem os coqueiros tombados na via. Para tornar a estrada transitável. Tiram fotos. Primeira avaliação dos estragos. E lamentos.
Amanhece. Silêncio. Serenidade. O sol brilha. Não corre nem uma brisa. Aconteceu algo? Ao sair para a rua, dúvidas desfeitas: rastro de destruição. Voou tudo o que podia. Árvores ainda tombadas. Algumas, surpreendentemente arrancadas pela raiz.
Sobram máquinas fotográficas. Penduras em motos a registar cada sinal de destruição. Nunca se vira tal na ilha. Importante preservar. Para memória futura.
Há notícias de mortos (desta vez, em todo o arquipélago, perto de 700). E de dois ferries que afundaram, em Siquijor. “Do outro lado da ilha foi ainda pior”, garantem-nos.
A ilha está isolada. Não há transportes. A comida não chega, como sempre, de barco. No mercado, parca fruta e escassos legumes. Todos em estado praticamente putrefacto. “É para quem quer…”.
Sairemos de Siquijor dois dias depois. Ainda sem eletricidade restabelecida..

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