O Uruguai, rival de Portugal no Mundial2018, é uma encantadora novidade…


Quando penso no verão no Uruguai (o nosso inverno), não são as praias que me fazem suspirar – aqui não há areias brancas, coqueiros e mornas águas turquesa que pintam os idílicos cenários tropicais. A mente flui na sensação de leveza e bem-estar típicos das ruelas de vilarejos simples com gente comunicadora e afável. São os belos entardeceres, o mate entre dois dedos de conversa, a poesia da simplicidade de estilo de vida encantadoramente rústico.
Confesso que mal o nome me surgiu no radar, logo soube que este seria um must-visit nesta odisseia Bornfreee pela Argentina e Uruguai. Por motivos que dispensam explicações. Certo?
Em boa hora o decido. Esta que em tempos foi uma simples aldeia piscatória em lugar habitado por temível Adamastor (dizem que foram 60 os barcos/naus naufragados nestas traiçoeiras águas desde que portugueses e espanhóis por cá se aventuraram) transformou-se num encantador lugarejo, um paraíso para os backpackers. Bem diferente de Cabo Polónio, uma reserva natural onde vários ‘luxos’ (energia elétrica, água potável, internet, cartões multibanco…) nos são vedados.
Depois de ter começado esta aventura na Terra do Fogo, em Ushuaia, agora estou praticamente no extremo oposto da jornada, já bem perto da fronteira com o Brasil e mesmo ao lado do idílico Parque Nacional de Santa Teresa, onde desponta um forte português.
Punta del Diablo (ahhhhh, como gosto de pronunciar este nome) apresenta um estilo de vida descontraído, relaxado. Tem algumas lojas coloridas, cafés e restaurantes boémios, praias adornadas por pequenos barcos de pesca e gente acolhedora e serena. Um ambiente saudável que deambula entre os estilos hippie chic e rústico.
Isto fora da época alta, em que 30.000 visitantes devem tornar o povoado um inferno: durante o resto do ano, garantem-me que o povoado não chega aos 700 habitantes, entre pescadores, artesãos e os que garantem os serviços públicos básicos.
Punta del Diablo apresenta-se como boémia… num cenário mais típico dos anos 70 do século passado. Dizem que não há lugar na América do Sul com tantos rastas. Na verdade, não vejo assim tantos. Talvez porque estou mais atento à ‘indústria’ de pesca artesanal. Faz-me lembrar os tempos de criança. Há um barco que se aproxima da praia. Até ‘encalhar’. Depois chega um cavalo e uma carroça. Que fazem vários vaivém de 50 metros até à pequena lota com cestas repletas de peixe. Algum ainda vivo.
Nesta leve e charmosa Punta del Diablo vivem tartarugas verdes, em perigo de extinção. Ao contrário dos grafitis que vão ganhando espaço, principalmente em locais abandonados. E alguns deles são um verdadeiro crime, dada a sua privilegiada localização, com vistas soberbas…
Playa dela Viuda, Playa del Rivero e Playa de los Pescadores com barquinhos na areia desenham um cenário que tem tanto de charmoso como de pitoresco. Tal como a pequena feirinha de artesanato.
Quem não trabalha para o prazer alheio, dedica-se a fazer praia. Há muito quem surfe. Outros optam por caminhadas, geralmente com destino ao parque de Santa Teresa. A noite é dominada por música e luzes. E novamente praia… Estamos num ambiente balnear onde os relaxados visitantes procuram sorver o melhor do ‘dolce far niente’. E curtir a atmosfera da ‘previa’, que é quando se toma um copo com amigos, se conhecem estranhos e a sedução flui no ar…
As avenidas de Los Pescadores e Central é onde há mais oferta de bares e pubs, alguns com música ao vivo.
O inverno não será pior. Contam-me que as praias estão naturalmente desertas. Apenas surfistas se aventuram por estas paragens. E as noites – várias, verdadeiramente tempestuosas – avançam à volta de acolhedoras lareiras. Aqui, Punta del Diablo funciona como um relaxada escapadela, num litoral idílico.
Não me avisam que corro o risco de encontrar da melhor comida italiana. A par de peixe fresquíssimo e preparado ao estilo do melhor segredo das nossas avós. Nem me previnem para a delícia dos buñuelos de algas (bolinhos de algas fritos), típicos da região, ou dos fantásticos vinhos que sei que vamos encontrar. Resto Pub 70. Acolhedora decoração rústica e ambiente íntimo, ou não fosse o espaço gerido por uma família que simboliza toda a Punta del Diablo, mais do que ‘boa-onda’. Andaria horas, enfrentaria as maiores tempestades, passaria por inúmeras privações se soubesse que ao fim da tormenta me esperasse este espaço e me fosse servida a sua maravilhosa lasanha…
Punta del Diablo exige um coração aberto. Uma mente a fluir sem rumo e disposta a sorver a energia do acolhedor inesperado. É uma experiência de fácil trato que nos amarra. E nada como deixarmo-nos levar pelo que a vida tem de mais despretensioso… .