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Nicarágua: ‘Super-Ronny’, o garanhão do asfalto…

Nicarágua: ‘Super-Ronny’, o garanhão do asfalto…

Quando um motorista nos ‘salva’ e nos leva ao ‘inferno’.

“Como?!? Todos a rondar os 40 anos e ninguém casado?? E sem filhos??? O que têm vocês de errado?”, dispara um incrédulo Ronny, minutos após estarmos confortavelmente instalados no seu TIR.

Esta América central à boleia é um mimo. Às tentativas de usuais de usurpação perpetradas por taxistas à entrada de cada país respondo com um dedo em riste. O polegar faz milagres e, nas fronteiras, os motoristas de veículos longos são verdadeiros pronto-socorro, autênticos anjos da guarda. É assim a cruzar da Costa Rica para a Nicarágua. Desta para El Salvador e daqui para as Honduras. Ronny foi boleia imediata. Como se estivesse impaciente para conhecer quatro portugueses: três amigos do norte e uma nova companheira de viagem, do sul, que se aventurou sozinha na América Central convicta de que este improvisado quarteto iria resultar. Assim foi.
Ronny é ainda mais curioso do que nós. Vai disparando perguntas às quais respondemos com a abertura habitual. Contamos-lhe como funcionam as coisas em Portugal. Que muita gente está a tomar essa opção de vida. O casamento já não é uma certeza, muito menos a de deixar descendência. A sociedade mudou. Não sei se é uma evolução ou não, mas tudo se tem alterado nas últimas décadas. O rei da estrada não está tão interessado em ouvir, prefere exibir-se.
“Sabem quantos filhos tenho? Adivinhem!”, desafia.
Três? Cinco? Sete? Penso em voz alta, certo de que exagero.
“Nove! Tenho 42 anos e nove filhos! Adivinham de quantas mulheres? De três diferentes!”, atira, com um sorriso tão inchado quanto o seu orgulho. Deixa-nos em quase pânico.

Sem se deter, o ‘super-herói’ da Pan-Americana completa a informação: “Sim, estou casado com a primeira namorada que me apanhou. Com quem tenho quatro rebeldes. Depois ‘distrai-me’ e fiz três a uma outra mulher e outros dois a uma daqui, nicaraguense”.
incrédulos. Petrificados. Sem reação. Na verdade, não sei se ria ou se lamente o infortúnio de quem se cruzou com este bonacheirão motorista. Não há dúvidas de que tem grande coração, desconhecia é que cabia assim tanto amor no seu peito. Lábia e sentido de oportunidade serão os seus maiores encantos, presumo.
“Foram dois períodos em que trabalhei uns tempos fora de casa”, justifica, com ar sério e responsável. Como se a desculpa fosse uma declaração solene ao país e os argumentos perfeitamente plausíveis.

“Certa vez jantei num restaurante de berma de estrada. Acabei por meter conversa com uma senhora. Bebemos um pouco a mais e acabámos na cama. Meses depois percebi que iria ser pai”, conta.

Alvo de toda a nossa atenção, faz uma pausa e prossegue: “Não me deixou ver a criança. Andei quase três anos a tentar conhecer a minha filhota, mas ela sempre se negou. Até que um dia acedeu. Marcámos um almoço. Estava entusiasmado, porém no dia D ela chegou sozinha. Diz que se arrependeu. Fiquei furioso. Vinguei-me na bebida. Ela acompanhou-me. No fim fomos novamente para a cama. E daí resultou a segunda criança. Dois tiros, dois melros. Com o Ronny é tiro e queda!”. E solta estranha gargalhada.

Nem sei como continuar a conversa…

“Como é que a tua mulher ainda está contigo?? Como te permite ter mais filhos fora do casamento…?”, questiono-o.

Há alturas em que melhor seria estar calado. Abrimos a caixa de Pandora. Aprofundamos o tema a um nível que mexe connosco.

“Não teve remédio! Amochou. Importante é que tenha comida na mesa para ela e as minhas crias. E não tem mais nada que possa dizer. Mas ficou furiosa comigo, claro. É muito ciumenta”, conta, como a fina ironia dos ‘iluminados’.
Ronny gaba-se de conhecer o sexo feminino como poucos. E é assim, com esta honorável sapiência, que vai levando a vida.
“Elas são muito vaidosas. Podem estar furiosas connosco, habitualmente com toda a razão, contudo se lhes levarmos uns brincos – ou algo assim – tudo passa. Não é difícil amansá-las” assegura-nos, piscando-nos o olho.
Ronny, amigo, não estás a ir pelo bom caminho. Sinto que vivemos em galáxias diferentes. O problema não é a naturalidade com que dizes as coisas, mais típicas de um charlatão. É o modo convicto como as contas. As tuas  virtudes enquanto ‘homem’ e a admirável capacidade de sustentar tanta descendência.

Com paciência, explico-lhe que na Europa – ou em qualquer outro país civilizado – o seu modo de vida poderia deparar-se com algumas (acrescidas) dificuldades. As mulheres são financeiramente independentes de qualquer idiota machista e a sua atitude e estilo de vida não se compadecem com poligamias. Sabem o que querem e não têm de se submeter, subjugar a inenarráveis vontades de terceiros. 

Ronny não percebe a mensagem. Nada de nada. O nosso querido motorista de ocasião persiste em contar-nos a sua saga, com estranha vaidade. Afinal, temos ainda uns bons quilómetros de estrada e muita conversa para trocar.

Agora com ar de menino matreiro, revela que já por diversas vezes tentou furtar-se à pensão de alimentos aos filhos fora do casamento. Engendrou de tudo, mas nenhum dos seus mais ou menos inteligentes esquemas funcionou. Lamentavelmente, não foi bem-sucedido. Uma pena, Ronny, não é?

Este simpático cavalheiro parou num estranho tempo. Habita um conceito de Mundo que nunca deveria ter sequer existido. Num estilo de vida e mentalidade que apenas podem persistir em países (e mentes) subdesenvolvidos.

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8 Comments

  1. mariana antunes

    Nossa, acho que eu pularia desse caminhão na hora kkkkkk é difícil ver um papo assim tão machista. Mas temos que entender que alguns lugares ainda tem a cultura bem retrógrada. Infelizmente.

    Se por um lado às vezes é bom escutar as pessoas para conhecer os costumes locais, por outro pode ser uma verdadeira decepção rs.

    1. Rui Batista

      Marian, o pobre Ronny tem um grande coração… mas depois tem alguma dificuldade em distinguir o certo do errado… Beijinho e boas viagens 🙂

  2. Deisy Rodrigues

    A frase do céu ao inferno caiu muito bem nessa situação, é triste e lamentável comprovar como o patriarcado machista ainda se encontra como algo normal e tratado com irreverência e até mesmo essa visão que casar e ter filhos seja um ideal de vida, infelizmente em menor ou maior número essa mentalidade ainda se encontra em toda parte do mundo.

    1. Rui Batista

      Deisey, acredito – e espero – que o Mundo está a mudar. Lentamente, mas, neste caso, a avançar… bjks e boas viagens…

  3. Flávia Donohoe

    que viagem emocionante, realmente um relato e tanto! Quero muito viajar pela América Central, mas tenho que me preparar bem, dizem que viajar sozinha e sendo mulher é um pouco difícil! Infelizmente ainda temos que aguentar comentários machistas e isso ocorre muito na América Latina!

    1. Rui Batista

      Pois… Flávia, acredito que o Mundo vai melhorando a cada dia… Sugiro que tomes as devidas precauções… pois, felizmente, as pessoas fantásticas são uma clara maioria 🙂

  4. Vitor Martins

    Maravilhoso!!!Maravilhoso!!Alinhava numa destas na boa…É como eu gosto!Parabéns!Adoro conhecer pessoas e as suas histórias..

    1. Rui Batista

      Em viagem, NADA se compara à interação com as pessoas… apaixono-me facilmente por elas e pelas suas histórias. Até pelos vilões 🙂

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