Um jovem que ganhou imortalidade ao fazer um pacto com o diabo.
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Em Omepete florescem confissões religiosas. Esta ilha no lago Nicarágua retrata bem a América Central: em cada rua, uma igreja. Em cada esquina, um improvisado lugar de culto. Com o nome mais improvável. Mais liberal ou repressiva, tolerante ou castradora, nenhuma religião parece, no entanto, impor tanto respeito quanto a lenda de Chico Largo. Um jovem que ganhou imortalidade na ilha após fazer um acordo com o diabo. Há 150 anos…
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“Na igreja, durante os sermões, somos avisados para muitas das vicissitudes da vida. Para as contrariedades. Dão-nos uma linha orientadora de conduta. A maioria ouve, mas não escuta. A religião é lei, mas não tão respeitada e temida quanto a lenda e ensinamentos da história de Chico Largo”, sussurra-me o sexagenário Juan Ignácio, como se alguém nos pudesse ouvir.
Diz-se que era um moço rebelde. Inteligente. Provavelmente caprichoso. E que um contrato com o diabo o atraiçoou. Tudo por ambição. Para conseguir um nível de vida excelente, bem acima dos seus pares. Quando faleceu, abastado, Chico Largo quis ser enterrado num extremo do ‘charco verde’. E foi já posteriormente a ser enterrado na sua ‘finca Venecia’ (quinta Veneza) que virou lenda.
“Ao morrer, em 1854, pediu para ser sepultado ao fundo da lagoa. Desde aí se diz que o charco verde está encantado. Que ele sai do tumulo para comprar almas. E que logo as converte em gado. Já de lá desapareceram turistas estrangeiros”, relata um dos atuais proprietários da Venecia.
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Em 1942 a família Rivera Moreno comprou a propriedade que foi de Chico Largo. Emilio, o pai, logo tratou de alimentar a fantasia. Em conluio com o amigo Julio Martínez. Ofereceu-lhe uma vaca para que este a matasse e vendesse a carne. A ideia era fazer crer que o animal era uma pessoa. Para isso, espremeram limão e esfregaram-lhe sal nos olhos. Provocando assim um lacrimejo falso.
“Quando as pessoas vieram para comprar carne, Martinez fingiu estar desmaiado e quando recuperou os sentidos garantiu que a vaca tinha falado. Implorado para que não a matassem. E que lhe tinha dito o seu nome. Era alguém que supostamente tinha desaparecido no charco verde. Ao ver os olhos lacrimejantes do animal, todos acreditaram na narrativa”, conta o filho de Emilio.
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No inicio dos anos 80, durante a Revolução Sandinista, a propriedade foi confiscada. Aí foi instalada uma base militar. Meses depois, um incidente que muitos recordam. “Diz-se que numa noite de lua cheia o fantasma de Chico Largo apresentou-se ao comandante a reclamar as suas terras. Os soldados tentaram detê-lo com uma rajada. De nada valeu”.
De acordo com Rivera, “no dia seguinte, não se encontrou um único soldado na base militar. Apenas material militar danificado e vacas, porcos e cães. Além de aves mortas com os disparos militares”.
A família Rivera Moreno readquiriu os terrenos. E o baixo nível de instrução destes ilhéus ajudou a reforçar e manter a patranha bem viva. A Finca Venecia integra agora os roteiros e histórias turísticas da região. Até uma antiga ‘primeira dama’ da Nicarágua que a visitou admitiu sentir “vibrações especiais” no lugar.
O ‘charco verde’ é interessante, mas agora prefiro retemperador banho no esplendoroso cenário natural do ‘olho de água’. Horas de puro relaxe e deleite. De tempo sem tempo para esvaziar o cérebro e apenas “ser”. Apercebo-me, com pastoso sorriso, que não desapareci misteriosamente. Nem me transformei em animal…
36 Comments
Não sei se o lugar é mistico ou não, mas parece ser muito bonito e com pouco turismo!
Sim, Susana, para já… parece algo imune ao turismo de massas 🙂
Interessante a história. E a criatividade do povo – fazer até lacrimejar o boi, hehehehe. Não conheço o lugar e também nunca tinha ouvido falar da lenda. Abraços!
Michela, estas histórias e crenças dos povos fazem parte das minhas “delícias” em viagem 🙂
A crendice popular é tão mais interessante do que a realidade. E bem aproveitada, pode ser uma rica fonte de marketing turístico. Ainda bem que voltou são e salvo, Rui.
P.S. Os cultos religiosos têm sempre terreno fértil quando as populações são mantidas longe das escolas. Enfim.
Ruthia, infelizmente é mesmo isso. A ausência de educação leva a caminhos bem menos informados… terreno fértil para todo o tipo de crenças e manipulação.
Que história interessante! Principalmente porque conseguiram tirar os militares de lá! hahaha
Adorei!
🙂 Entendo bem, Natália… bjks e boas viagens…
Como é gostoso conhecer histórias e culturas como essas da Nicarágua, só indo lá para saber de tanta história, ainda bem que temos um blog como o seu para conhecer esse lugar.
Obrigado pela gentileza, Christian 🙂 Grande abraço e boas viagens!
Como sempre seus posts me encantam! Muito bacana a forma com que você gosta de se aprofundar sobre os lugares que visita.
Acho muito legal poder conhecer um pouco sobre a cultura dos países, ainda mais um como esse que não é a primeira opção que vem na cabeça das pessoas em visitar!
Parabéns pelo post! =)
Muito obrigado pelas palavras e carinho, Luiza 🙂 Como dizem esse lado do Atlântico, fico “sem jeito” 🙂 Beijinho e boas aventuras pelo Mundo…
Mais uma narrativa interessante a que nos sempre habituaste Rui. Pelo menos ficaste a saber que és imune a esse tipo de “energias” ou crenças e que regressaste são e salvo. Abraço
Obrigado, Pedro 🙂 Vamos a combinar o almocinho/jantarinho? 🙂 Grande abraço!
Que bom que você não desapareceu para contar a história! Adoro essas lendas urbanas!
lol Viver para contar… há um livro com esse título 🙂 Beijinho e boas viagens…
Que história mais curiosa! Muito legal saber mais do local que estamos visitando. Fico também imaginando se não dá um medinho nos turistas mais sensíveis! rsrs
Os ‘turistas sensíveis’ podem ter medo, quem gosta de viajar ADORA estas histórias 🙂
Ótimo texto, nunca tinha pensado em conhecer a Nicarágua,agora com este relato, já fiquei bem interessada.
Alessandra, o país é fértil em boas histórias… e tem lugares lindíssimos…
Adoro sua escrita! E adorei mais ainda aprender mais sobre essa lenda! Que interessante, não? São esses pequenos atos que auxiliam no fantasia presente no dia a dia!
Obrigado, Amanda 🙂 A vida precisa de fantasia… as viagens também. Beijinho e boas aventuras…
Adoro suas narrativas, elas sempre me prendem do começo ao fim. Especialmente quando dão uma nova sperspectiva sobre um lugar quem nem cogitava em visitar. Não conheçia a llenda do Chico Largo e adoro essas lendas locais. Obrigada por compartilhar!
http://www.pelosquatrocantos.com
Obrigado, Lua Ferreira 🙂 Pela simpatia das palavras. A Nicarágua é um Mundo de boas surpresas… bjks e boas viagens…
Adoro os seus textos, Rui. Sempre relatos leves, gostosos de ler.
Sobre a vaca, quem dera todos nos matadouros tivessem essas “alucinações”, assim os bichinhos seriam sempre poupados. 🙂
Excelente perspetiva, Gisele 😉 Eu é que agradeço a simpatia das palavras. Beijinho e boas viagens…
Que interessante essa lenda, mas confesso que meu deu arrepios lendo, isso porque sou medrosa, mas essas lendas populares são bem peculiares,lendas a parte o lugar é um encanto.
Deisy, confesso que me atrai tudo o que sai da norma… 😉 Beijinho e boas viagens…
Muito interessante essa história. Essas lendas populares sempre me divertem. Essa é uma parte do mundo que ainda não conheço, e parece ser fantástica. Cheia de belezas naturais, cultura e muita história.
Beneth, aconselho uma visita 🙂 Boas viagens!
Muito bom o texto! E a história é fantática! Crendices que mantém vivas a fé e a criatividade dos locais atiçando a curiosidade dos turistas! Mas eu ficaria receosa de me banhar no lago e ser trasnformada em vaca!
lol Tina, poderias transformar-te em sereia :))) Beijinho e boas viagens…
Em cada esquina, um lugar improvisado de culto… essas manifestações realmente me atraem… olhamos com outros olhos e tentamos extrair o sentimento do local… bem interessante!
Obrigado, viajante comum. Grande abraço e boas viagens!
Nunca fui à Nicaragua. Estou cheia de vontade de conhecer e, como sempre, inspiraste-me nesta tua história maravilhosa. A fé tem coisas maravilhosas. Nem todas são boas, mas são esta devoção impressiona.
Carla Mota, sei que Nicarágua te encantaria… do melhor que já vi. E quanto ao mundo ‘espiritual’… :)))