A ‘intimidade’ do Poeta.

Poderia ter iniciado este texto ‘aqui’, na esplanada mais desejada de Tormes, mas dir-me-iam que o gelado néctar (vinho) com o mesmo nome me tinha tomado conta da razão. É igual. Boas horas depois, continuo verdadeiramente entusiasmado com a experiência: conhecer a Fundação do nosso Eça de Queiroz, em Baião, seguido de repasto ‘queirosiano’ (já explico) com uma das mais fantásticas vistas da região para o Douro é um invejável tónico para os amantes das letras, gastronomia e natureza. Não conheço muitos conceitos de maior felicidade.

A casa. A história. O legado. As atividades. A paisagem envolvente. Tudo isto bastaria para justificar uma visita à Fundação Eça de Queiroz, mas quem é de bons apetites, não pode desertar sem degustar a excelente gastronomia do restaurante adjacente. É mesmo no edifício ao lado. Eça invejar-lhe-ia a arte ao lume e as impressionantes vistas.
Tenho o privilégio de ter direito a uma guia só para mim. Na verdade, para dois: a minha querida mãe acompanha-me. Sandra trabalha aqui desde 1999, mas o entusiasmo e profissionalismo que revela faz pensar que acabou de se juntar à equipa. Todos os detalhes. O maior dos cuidados. Vai soltando informação adicional, de acordo com a curiosidade do interlocutor. Profundo conhecimento. Ingredientes de sobra para que este périplo pelas várias salas sirva o firme propósito de conhecer um pouco mais a vida do escritor.
Não vos contarei da história. É aqui que a mesma terá outro impacto. Experienciar um dos lugares onde Eça se inspirou…
Vários dos seus objetos pessoais podem ser contemplados neste lugar. Que não perdeu pitada de magia. O famoso monóculo, a sua imagem de marca, mobília da casa de Paris (uma das cidades onde foi diplomata), fotografias, quadros, presentes de amigos… Surpreende-me que gostasse de escrever de pé. Pelos vistos, não era o único. A escrevaninha onde o fazia será uma das peças mais interessantes e icónicas da visita, que termina em capelinha com peças do século XVI.

Nesta casa organizam-se cursos, colóquios, seminários e até concertos. E uma das habitações dos caseiros foi adaptada e agora serve o turismo rural. A Fundação Eça de Queiroz procura perpetuar a memória do escritor e divulgar a sua obra. Também promove atividades de apoio a grupo sociais desfavorecidos e/ou em risco de exclusão, procurando ser um parceiro ativo no contributo para o desenvolvimento socioeconómico e cultural da região.
Quem serviu o mestre da escrita e sua família – aqui instalada até 2015 – também deixou descendentes. Que aqui continuam a trabalhar… A figura do caseiro, ainda tão romântica quanto a sua escrita.

“Vales lindíssimos, carvalheiras e soutos de castanheiros seculares, quedas de água, pomares, flores, tudo há naquele bendito monte. A quinta está situada num alto, num sitio soberbo – que abrange léguas de horizonte, e sempre interessante (…) logo adiante da casa, o monte desce até ao douro, logo por trás da casa, o monte sobe até aos cimos onde há uma ermida”, escreveu o poeta, que há alguns anos viu o seu corpo trasladado para o cemitério da aldeia.
Sugiro visita ao fim da manhã. Perder a experiência do almoço queirosiano é crime punido com severo arrependimento. Garanto-vos! Um arroz de favas sublime com frango alourado, eternizado em “A Cidade e as Serras”. Foi esta a primeira – talvez segunda, terceira, quarta… – refeição com que o poeta foi presenteado na casa. A técnica terá sido aprimorada ao longo de mais um século. Acreditem, está no ponto.
Cogumelos salteados. Presunto com ananás. Bifinhos em vinha d’alhos. Alheira. Nada como perdermo-nos nas entradas, no prato principal e nas trouxas de ovos e toucinho do céu. Aqui, proibida qualquer preocupação com a linha. O momento merece!

Estão 38.º, mas sou bafejado com suave brisa que percorre esta encosta até afagar a minha serenidade. Contemplo o envolvente cenário sentado sob videiras que nos dão sombra e favorecem qualquer ambiente romântico. Imagino como será ao por do sol…
“Serra tão acolhedora. Serra de fartura e de paz. Serra bendita entre as serras”. Se tu o dizes, Eça…. Bebo um pouco mais de Tormes e deixo-me estar. Quero apenas saborear esta marcante experiência…
35 Comments
Uma bela mistura de literatura, gastronomia, regado a um bom vinho e a paisagem do Douro. Chegaste ao paraíso! Belo texto e fotos lindas!
Obrigado, Tina 🙂 Aconselho-te a explorares a região… bjksss…
Que passeio lindo! Fiquei com água na boca com o almoço! Juntando tudo que essa fundação oferece (história, paisagem linda do douro e comida deliciosa) é a combinação perfeita de um passeio, na minha opinião!
Estamos de acordo, Marianne 🙂 Beijinho e boas viagens…
Estive para ir aí nestes dias mas o calor previsto parou-nos pois seria custosa a viagem para o pequenote, fica para outra época, abraço!
Francisco, acredito que em breve passarás por lá. Acredita, vale mesmo a viagem… e aproveita o excelente turismo rural que tens na região: aconselho-te a Casa da Lavand’eira: soberba 🙂 Abraço!
É sempre um prazer ler seus textos. A sua narrativa é excelente. Não conhecia a Fundação, mas certamente fiquei com muita vontade de ir. E, claro, quero incluir o almoço…rs
Obrigado pela gentileza das palavras, Lua 🙂 Acredita que a sugestão é excelente… bjksss e boas viagens…
Eu adoro o Eça, fiquei com muita vontade de visitar a Fundação… e gosto muito do jeito que você escreve seus posts, é super envolvente… Parabéns!
Gabriela, obrigado pelo carinho das palavras 🙂 Espero que a Fundação Eça de Queiroz um dia passe pelas tuas viagens. bjkssss…
o que seria ” Bifinhos em vinha d’alhos. Alheira”? bife com muito alho???
Angela… tens de provar 🙂 É com vinho tinto e alho… a marinar… E alheira é dos melhores petiscos de Portugal 🙂 Mete no google imagens 🙂
Rui, adoro como você consegue transformar um post de viagem em prosa e poeisa. Nós vamos conhecendo o lugar visitado junto contigo, não só pela experiência mas também pela emoção. Obrigado.
Caro Edson, obrigado pelas palavras motivadoras. Folgo em saber que vais gostando dos posts Bornfreee. Um grande abraço transatlântico para quem está sempre ligadoemviagem 🙂
Adorei o programa. O mosaico do início da matéria é fantástico. Não conhecia a Fundação e gostei de saber mais sobre esse local que mantém Eça de Queiroz em evidencia.
É isso mesmo, Leo. Vale bem a visita, acredita. Abraço e boas viagens!
Este passeio deve ser muito legal e estou aqui sonhando com este almoço, hummm. Adorei tudo e as fotos e os vídeos, só que para mim, no primeiro vídeo, a imagem trava no 5º segundo. Será que foi só para mim? Tentei 3 vezes para ver, mas aconteceu igual. Grande abraço e parabéns pelo lindo relato.
Michela, talvez seja só contigo. Abri o vídeo em vários browsers e funcionou. Prepara-te então para uma estimulante viagem à “boleia” do Eça de Queiroz.
PRECISO conhecer! Um post para saciar a barriga e a alma 🙂
:))))))))))))))))
Um passeio encantador, tanto quanto seu texto, que traz alegria e vontade de visitar também. Adorei que vossa mãe foi junto!
Clau
@as_passeadeiras
Claudia, temos de partilhar as melhores coisas do Mundo com as pessoas realmente importantes na nossa vida… 🙂 bjks e boas viagens…
Deve ser um passeio bem interessante, pelos objetos e também pela história e importância do autor. Não sabia que existia uma fundação dele, mas achei muito legal.
É isso mesmo, Anderson. Abraço e obrigado pelo comentário.
Que delícia! Como é bom visitar lugares que nos inspiram, não é mesmo? Adorei a dica.
Abraço, Matheus!
Que belíssimo texto Rui! Amei a forma que você escreve, pintou todo o lugar na minha cabeça!
Fiquei com vontade de conhecer a fundação! =)
Obrigado pelas palavras, Luiza 🙂 Feliz por ter consigo mostrar-te o “filme” 🙂 Beijinho e ótimas viagens…
Tenho certeza que foi uma experiência muito gratificante! Consigo imaginar os detalhes através do seu texto, como sempre fantástico!
Itamar, obrigado e um grande abraço! 🙂
Que lugar lindo e agradável. Fiquei com muita vontade de conhecer. Ótimo post.
Obrigado, Lulu. Beijinho e boas viagens…
Adoro estas casas-museu que me ajudam a contextualizar os autores e consequentemente suas histórias… Minha intimidade com Eça começa e termina em Carlos da Maia e Maria Eduarda, mas qualquer dia desses amplio estes horizontes. A descrição daquela refeição (meio mágica como a maioria das que são servidas em Portugal) abriu-me o apetite… bj
Analuiza, até a mim (re)abriu o apetite :))) Eça é singular… e lá vais sentir o ambiente da sua vida mágica.