A mais charmosa arquitetura da cultura árabe em lugar inóspito da Arábia Saudita.

Quis chegar à Arábia Saudita o menos documentado possível, para dar espaço à surpresa, talvez ao deslumbramento. É atitude que repito por norma, para o destino já não estar gasto na minha mente. Dissecado até não ter piada alguma.

Ainda assim, e antes de partir, pelo canto do olho, Rijal Alma logo sobressaiu na minha curiosidade, bem mais dado ao rústico e rural do que às luzes e néones das cidades. As fotos não enganam e nem fazia ideia de que os homens da terra se destacaram em batalhas que moldaram a face religiosa e política da península arábica.
Vir ao que é provavelmente o destino cultural e arqueológico mais proeminente da Arábia Saudita é em si uma aventura: não que seja demasiado complicado, mas pelo dramatismo das paisagens. Abha, cidade onde os visitantes ‘obrigatoriamente’ se instalam, espraia-se num vasto planalto e chegar a Rijal, a uns 50 quilómetros, implica descer tão fundo que quase se sente o inferno, inevitável quando as chuvas levam tudo encosta abaixo e deixam a aldeia literalmente isolada.
A descida, curva e contracurva, bem apertadas, é simplesmente a mais íngreme que algum dia encontrei, e demorará largos minutos a percorrer. Já disse que mal me atrevo a deixar a primeira engatada? O único modo de aguentar o carro. As montanhas Raz são, de facto, uma enorme barreira natural, que isolam Rijal e ajudam a explicar muito a sua singularidade, bem como a resiliência e bravura, também militar, dos seus homens.
No que toca a herança arquitetónica, creio que nem Ushaiger, outra emblemática aldeia histórica do país, consegue ombrear com estas formas – interiores e exteriores – de habitações que chegam a ter sete (!!) andares: durante os dois séculos em que se construiu este burgo, os senhores tratavam dos exteriores e as mulheres, que não trabalhavam fora de casa, aplicavam-se nos interiores, nos quais sobressaem pinturas decorativas bem características, coloridas, que nasceram de mãos hábeis e pacientes.

Dizem-me que, para já, são 16 os ‘fortes’ recuperados, alguns dos quais palácios, sinal que demonstra uma cultura ancestral avançada. Este conjunto apresenta-se, invulgarmente, em formato de anfiteatro. Mais fotogénico, impossível. Nunca vi algo assim. Muito menos, quando embrulhado por montanhas abruptas e estradas sinuosas. No ar, os meus olhos fechados sentem especiarias e incenso que por aqui viajaram em tempos ancestrais.

Dado o seu isolamento, desenvolveu um conjunto de características bastante especiais – e únicas! Genuína autenticidade árabe neste povoado que já foi importante na rota comercial entre o Iémen, a religiosa Meca e o Mar Vermelho. Casas sólidas e confortáveis, que iam absorvendo elementos culturais dos forasteiros que por aqui passavam.
Se por fora Rijal nos encanta, é por dentro que nos amarra de vez. As portas grossas e esculpidas parecem a tampa de uma caixa de joias, que esconde um tesouro em forma de pinturas, feitas com a persistência de artesãos de mão firme e que apostavam em cores vibrantes.
Pelo menos dois dos edifícios são agora museus etnográficos. Num deles há uma secção com livros e documentos históricos, tudo para proteger este legado do esquecimento da ‘modernidade’. Ainda que de modo muito rudimentar – e com três frases, contadas, em inglês – aprendemos um pouco do que torna Rijal Alma um lugar tão especial, peculiar.
As casas charmosas de Rijal Alma também cativam pela temperatura, face ao clima mais fresco e húmido da região, que, assim, no verão, atraem bastante turismo interno do resto do país, igualmente como modo de fuga ao inferno das temperaturas.

Esta aldeia de xisto apresenta janelas surpreendentemente decoradas com mármore branco, numa arquitetura que mistura estes elementos com madeira e barro. Já foi feita a candidatura a Património Mundial da UNESCO e acredito que, se não houver atropelos na recuperação deste legado, não tardará a ser concedida.
Há dezenas de casas em ruínas, contudo o trabalho de reabilitação está em marcha. Lenta. Uma evolução identicamente patente na bilheteira, a cargo de uma mulher, com poderosos e invulgares olhos azuis. Com a recente mudança da lei saudita, o sexo feminino passou a ter acesso ao emprego e agora, por todo o lado, o preto está na moda. Pelas vestes que, imutáveis, apenas permite vermos os olhos de quem está camuflado sob o manto mais rígido do Islão.
A herança, o legado e a história honrada de Rijal estão de mãos dadas com a generosidade deste povo, habituado a uma vida pura e digna. Bravos agricultores e pastores que desenvolveram as suas próprias ferramentas de caça e armas para se defenderem com heroísmo, tornando-a impenetrável para os invasores que andaram pela região. Histórias épicas de força e determinação, também para lutarem com as sólidas montanhas e o solo agreste. Como por aqui se diz, “Uma coragem que inspira uma nação”.

27 Comments
Seu post mostra que a Arábia Saudita é do jeitinho que eu imaginava. Adorei o relato! 🙂
Mais um texto fenomenal…!
Obrigada por estas partilhas memoráveis! ???
Obrigado eu, querida Clara, por estares SEMPRE desse lado 🙂 beijinhosssss…
Nossa! Deve ser uma experiência incrível conhecer esse lugar. Adorei o formato das casas e as cores das pinturas internas. Parabéns pelo post cheio de detalhes e com texto delicioso de se ler.
Obrigado, Cecília. O lugar é, realmente belo. Em breve acredito que o “mundo” saberá da sua existência 🙂
Sua viagem Rui são diferentes e espetaculares, adorei saber um pouco sobre a Arabia Saudita
Obrigado, Christian. Esta viagem tem sido surpreendente e muito estimulante…
Gosto dessa atitude de não procurares saber muito para te deixares deslumbrar… Faz sentido.
Este local que descreves parace ser lindo, mágico e enigmático. Já gostava de ir ?
Catarina, tu, o teu olhar, o teu drone… fariam milagres aqui 😉 Imagina esta bela aldeia em anfiteatro… nunca vi assim. bjksss
Que descoberta sobre Rijal Alma através do seu post. Muito interessante o contrate entre as fachadas monocromáticas e o interior colorido dos prédios. Mais um registro sensível por meio do seu olhar.
Fabíola, na Arábia Saudita as boas descobertas têm-se sucedido. Estou impressionado. Sobretudo, com a hospitalidade deste povo…
Que cidade mais curiosa, Rui. O que mais achei interessante foi a beleza que eles conseguiram com linhas simples de arquitetura, praticamente retas. Muito bom post.
Edson, a influência de comerciantes de várias culturas resultou nessa singularidade cultural e arquitectónica 🙂
Rui, você sempre surpreendendo nos destinos e nas descrições dos lugares. Atualmente ficou até difícil viajar sem se informar sobre os lugares a serem visitados, tamanha a quantidade de informações disponíveis. Acho que eu não consigo, te admiro ainda mais por isso!
Cintia, no meu caso é mesmo para ter a capacidade de surpreender… Com tanto que já vi, não quero perder a hipótese de me encantar :)) Obrigado e beijinho…
Wow que incrível esta cidade da Arábia Saudita. Uma pena é que mulheres desacompanhadas não possam entrar no país! ?
Suriàn, creio que isso é uma das mudanças já em vigor. Informe-se. Está a mudar muita coisa na condição das mulheres. Aconselho leitura sobre a “Visão 2030” 🙂
Eu tenho vontade de explorar mais essa parte da Arábia, os paises são riquissimos em cultura. Adorei o relato
Diego, a Arábia Saudita está ainda virgem em termos de turismo… um povo muito genuíno e hospitaleiro, algo reforçado pela emigração de uns 10 milhões (o país tem 32 milhões de habitantes) oriundos do Iémen, Paquistão, Bangladesh e Egipto.
Eu não sei se me atrevia a conduzir nessas curvas, sobretudo a descer. Nem me imagino a viver num lugar tão isolado. Como é que essa senhora de olhos azuis te deixou tirar uma foto????
Ruthia, mas olha que a vista é impressionante 😉 Neste caso, foi a assertividade do Filipe 🙂 Eu fiquei a contemplar… e chegou a minha vez 🙂
Sesu textos sempre inspiradores, principalmente quando mostram um lugar que nós desconhecemos de verdade.
Michelle, são as minhas confissões em voz alta… e que os dedos vão acompanhando 🙂 OBrigado pela gentileza…
nunca tinha visto esse lado da arabia saudita, acho muito interessante q mistura riqueza de detalhes, historia e cultura num relato bem gostoso de ler
Angela, é um destino que aconselho… acredito que vai ser muito falado – e procurado – nos próximos anos. É ir nesta fase de mutação identitária e aproveitar a grande hospitalidade do povo…
Nossa, ainda bem que as coisas estão mudando na Arábia Saudita pra gente poder conhecer lugares incríveis assim e toda uma cultura que até hoje ainda estão meio escondidos do resto do mundo!
Fernanda, é isso mesmo: a ver se o Mundo descobre um lado saudita diferente da má imagem que o poder político dá.