Desde criança que ouço dizer que o frio conserva. Faz bem e enrijece-nos. É a essa agradável memória de menino que me agarro quando saio do carro ao romper do dia e de imediato mal sinto os dedos, pois é bem gelada a manhã outonal que me leva às alturas de Armamar.
Venho cá por uma fruta. Esta bela terra transmontana tem fama de ser a Capital da Maçã de Montanha e estou aqui para tentar perceber o que significa isso. Quero saber sobre a Golden, a Gala, a Fuji, a Jeromine…
A maçã tem fama invulgar por estas bandas, pois domina a economia do concelho, e não é apenas pelo seu sabor natural, que é realmente bom: terei várias oportunidades de o comprovar, seja em forma de bolos, doces, compotas… uma série de produtos saborosíssimos que brotam da criatividade desta boa gente.
Uma pequena volta pelo centro histórico desta vila que recebeu foral do Rei D. Manuel I em 1514 e logo percebo que estou em altitude, mais concretamente a uns 525 metros acima do nível do mar. São 17 freguesias espalhadas por 115 km2 de território, onde se espraiam cerca de 10.000 habitantes.
Avanço para o campo onde encontro várias mãos experientes na extensão de muitos rostos sorridentes. Dedos de quem trabalha a terra, a sua terra. Escadotes e tratores. E alguma tecnologia que ‘acrescenta’ aos métodos tradicionais, que aqui persistem. Madrugam para colher a seiva da sua subsistência. Todos dão o seu melhor, sabem que fazem parte de algo maior.
Ti Neca faz parecer que os seus 72 anos são engano. Tem ar jovial, o que ajuda a explicar a sua energia. Aliada à paixão por Armamar e pelas suas maçãs, às quais se dedica há mais de meio século. Sim, já lá vão mais de 50 anos que este charmoso de chapéu de feltro decidiu que este seria o seu modo de vida, a sua âncora à terra que sempre foi a sua. Agora, estamos no lugar de Travanca.
Este homem, com uma luz muito singular, chegou a ter oitenta qualidades de fruta no quintal. Agora, mais comedido, tem dióspiros e figos, fruta da minha perdição. Também observo cerejas e couves, por entre as infindáveis filas de macieiras. Rijas. Suculentas. Saborosas. Exalam um aroma envolvente que traduz a riqueza desta região, dividida com o vinho.
É uma figura emblemática de Armamar. Das que nos ligam a um território, com a infindável paixão que lhe tem.
Daqui saem algumas das muitas toneladas de maçã produzidas no concelho e cuidadosamente colhidas, com ajuda do ‘canguru’, a cesta especialmente desenhada para esta arte. Estas preciosidades acabarão a deliciar-nos ao natural, em diversos doces típicos ou em criativas compotas.
Experimento primeiro os doces… assistir ao processo, deixar-me guiar pelos odores e no fim o palato confirmar, com calma, que são do melhor. Fico fã dos afamados bolinhos de maçã…
Já na aldeia de Arícera perco-me num projeto de quatro casas rurais em granito dos séculos XVII e XVIII: chama-se ‘Outros Tempos – Turismo de Montanha’ e é gerido por um simpático casal que se desdobra em motivos para nos fazer sentir em casa. No conforto e no estômago. Missão bem-sucedida. Vejo anciãs a espalhar sabedoria na hora de fazer bolos e compotas. Que juntam aos igualmente imperdíveis enchidos e queijos da região. Não consigo resistir ao perfume deste ambiente: a gula vence. Haverá almoço daqui a meia hora na Quinta da Barroca e não encontro espaço para mais comida.
Já neste conhecido projeto, um marco em Armamar, a vista é maravilhosa para os socalcos que se espraiam até ao vale e deste até uma pequena elevação, do lado oposto, no meu horizonte. À mesa, prescindirei das entradas tradicionais – um dia, vou lembrar-me desse arrependimento – e depois deixo-me levar pela intensidade dos vários sabores da terra…
Depois de explorar um pouco mais a região, somos brindados, na despedida, com um faustoso piquenique num dos melhores ‘spots’ do concelho, o miradouro São Domingos. Girls On Douro é o projeto responsável por estas surpresas…
Podem dizer em voz alta o que estão a pensar, pois estamos em sintonia: assim, é difícil partir deste paraíso!
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