Marchara durante horas pela pequena cidade, dera a volta às muralhas, espreitara com pena os bidonvilles, passara pelas enseadas esculpidas na rocha, antigo refúgio de piratas; enfim, percorria as ruas da Medina, depois dos monumentos às ruas mercantis.
Já cansado penetrei numa kissarias, uma espécie de claustro público, onde, sob as arcadas, se sucedem as oficinas, os pequenos comércios. Aproximei-me de uma dessas lojas, onde um fabricante de sandálias, velho magnífico, conversava com outros dois, sentados em esteiras, naquele característico jeito de abandono solene e medido. Saudei, com as únicas palavras árabes que conheço, antes de tirar as fotografias.
Com um à-vontade senhoril e sorridente, ofereceram-me um copo de chá de hortelã e convidaram-me para descansar. Tudo isto por sinais de significado simples, pois os meus hospedeiros não falavam francês. Sentei-me, larguei as câmaras e sorvi a pequenos golos o estimulante chá de hortelã. Sorriam-me, veio um segundo copo. E adormeci. Não sei quanto tempo. Sei que dormi profundamente, num repouso total.
Acordei devagar, apercebendo-me devagar do local onde me encontrava, em que ponto do Mundo e quais os meus companheiros. Olhava-os um a um, sem pressa de compreender; eu estava em Salé, abandonado ao repouso de não sei que profunda confiança.
Ernesto de Sousa in Cartas do Meu Magrebe, Tinta-da-China, 2012, p.46