A Ilha de São Jorge revela-nos histórias do mais genuíno dos Açores
“Tempos houve em que pai e filho foram à pesca. Nesse dia, a tempestade tomou conta dos céus, o mar encrespou de tal modo que o seu barco perdeu-se da costa, empurrado por ventos e marés até à ilha do Pico. Dias depois, quando o tempo serenou e a travessia se tornou possível, regressaram ambos a São Jorge. A fajã estava de luto. Já tinha sido o seu enterro. E a missa do sétimo dia….”.

(Vista da Fajã dos Vimes)
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António é um verdadeiro Senhor e a sua memória um inestimável legado histórico de São Jorge, que importa valorizar e, sobretudo, preservar. Nestes dias, pela ilha paradisíaca, fiquei muito bem instalado nas suas Casas dos Vimes e o único lamento é o de não ter tido (muito) mais tempo para ouvir as suas histórias, perder-me noite dentro a absorver a sua sabedoria.
Quem a conhece, sabe que São Jorge continua um paraíso no meio do Atlântico. Felizmente, faz questão de conservar a sua autenticidade, sem pressa ou vontade de receber hordas de turistas que, inevitavelmente, transformam paisagens, naturais e sociais.
Nesta bela ilha, na qual tinha estado há três anos, encontro sobejos motivos para me arrastar por aqui dias sem fim, para me fundir a uma natureza de sonho, mas também para perceber que, aqui, a vida ainda é como antes. A nossa mente apenas focada no ‘presente’… e com tempo, de qualidade, para o saborear. Como ele merece.
A Fajã dos Vimes não é o que foi, porém a verdade é que, para os meus olhos estranhos, não terá mudado muito. Há maior conforto – não esqueço a história de uma família com bom número de filhos a dormir num quarto exíguo, em torno do burro, que lhes fornecia o melhor calor – contudo a autenticidade persiste.

(O café dos Vimes em diferentes fases de secagem)
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Cheguei conhecedor da invulgar história da plantação de café em São Jorge e fiz questão de a conhecer. Por norma, este grão não se dá nestas latitudes, no entanto o microclima ameno e húmido permite o ‘milagre’ deste exemplo de cultivo de café ao ar livre na Europa.
Manuel Casimiro Nunes, 73 anos, é o principal responsável deste legado cafeteiro, que, dizem, remonta há mais de 200 anos. Terão sido emigrantes que retornaram do Brasil. Ou algum navegador em escala pelos Açores…
Os impressionantes cerca de 1.300 quilos anuais que Manuel e a sua família produzem, nos terrenos atrás de sua casa, não têm uma missão comercial, já que o cultivo persiste artesanal. Por vezes, em terrenos misturado com bananeiras e inhame. E o consumo é essencialmente local, apesar de já podermos comprar uns sacos, com muito bom marketing, diga-se. Como são bonitos os grãos a secar ao sol, junto a um pequeno muro, antes de serem torrados na cozinha. Alternadamente, entre a D. Alzira e o seu aventuroso marido.
É ao sabor deste singular tesouro – variedade arábica, com paladar mais suave e baixa acidez – que os senhores António e Manuel vão debitando histórias da sua meninice, na Casa de Café Nunes, que funciona todos os dias, “mesmo que não apareça nenhum cliente”.

(O lar onde fiquei instalado na Fajã dos Vimes)
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De facto, a aldeia tem somente cerca de 50 habitantes e a azáfama diária, na lavoura ou nos serviços fora da fajã, nem sempre permite esse luxo. Assim, Manuel vai trabalhando o seu café. Se alguém chegar, toca a campainha e a mulher avisa-o da clientela. Que também pode vir pelo artesanato em tear, particularmente colchas feitas à mão, cujo processo de produção é, igualmente, meticulosamente explicado.
Está na hora de me fazer à estrada, mas é difícil abandonar estas conversas. O Sr. António andou a ameaçar com um jantar especial para o quinteto de convidados das Casas Açorianas (Associação de Turismo em Espaço Rural) que ficou no seu empreendimento, mas a necessidade de explorar as incontáveis maravilhas da ilha não nos permitem grande margem. E quando, pontualmente, vem entregar o pão, fresco, para o nosso pequeno-almoço, só temos olhinhos para as compotas e, sobretudo, para a decisão sobre por qual dos queijos (tempo de cura) de São Jorge começar.
Dito isto, fica já o aviso, Senhor António (Gomes): prepare-se, pois ‘vai levar’ novamente connosco! Sobra-nos vontade de ouvir as suas histórias e desejo de nos voltarmos a sentir confortavelmente no lar!
.*** Born Freee voou com a SATA – Azores Airlines ***
*** Born Freee viajou a convite das Casas Açorianas ***
