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‘Tratar o cancro por TU’: apostamos TUDO na VIDA?

‘Tratar o cancro por TU’: apostamos TUDO na VIDA?

Ter cancro há muito que deixou de ser uma sentença, um definitivo fim de linha. Felizmente, são inúmeros – e cada vez mais – os casos de sucesso: da nossa atitude e do companheirismo dos cuidadores se faz a viagem na qual renascemos em VIDA.

Rio-me quando me chamam louco e me atiram olhares de incredulidade pelos destinos ‘ousados’ que visito, ou pelas situações ‘arrojadas’ nas quais me coloco. Solto uma gargalhada quando me pintam de “coragem” nessas aventuras, como se o entregar-me ao prazer de fazer o que mais amo merecesse tal elogio.

Aprecio o significado de cada palavra. Por isso, percebo que ousadia, arrojo e coragem é quando somos surpreendidos por infortúnios. Como doenças como o cancro, que nos atiram para um revolto oceano de dúvidas, deixando-nos agarrados a uma nau de incertezas, sabendo que só uma indomável tenacidade e uma infinita resiliência nos podem curar.

Uma luta difícil? Claro! Um turbilhão de emoções complicadas de controlar? Sem dúvida! Mas mais próxima de ser vencida quando alicerçada numa equipa, num compromisso feito de altruísmo e de Amor. Pelos nossos. Por nós. Pela VIDA!

ACEITAR E AGIR

“A coragem brota sempre da fraqueza. Somos verdadeiramente corajosos quando não tememos as nossas vulnerabilidades, os nossos medos, as nossas inseguranças, as nossas ansiedades. Porque gente que é gente sente, e ninguém pode sentir sem saber o que é cair. Ninguém pode saber o quanto é forte até viver o seu maior fracasso”.

Esta poderia ser uma citação de uma qualquer obra-prima da literatura internacional, mas é ‘somente’ um dos muitos trechos que me prenderam à história de Sofia. Mãe de duas crianças que foi partilhando nas redes a sua odisseia de reptos e emoções, abraçados por toda a família.

‘Encaixar’ a ideia de termos cancro é um daqueles desafios complicados de imaginar. Até para quem perdeu dois tios com esta doença, viu um pai recuperar da mesma e tem outro familiar na luta. Na prática, há grandes possibilidades de um dia me caber o papel de protagonista no combate ao cancro. Uma enfermidade que nos pode tirar imenso, mas que nos pode dar muito mais. Dependendo de como estamos dispostos a atravessar a tempestade.

Sofia e a minha amiga Susana não se conhecem, mas estão unidas na superação a um cancro da mama. Desceram a diferentes infernos – cada caso, todas as experiências são distintas, pessoais e incomparáveis -, encontraram forças onde pensavam já não as haver e, catapultadas pelo amor dos cuidadores são casos bem-sucedidos e exemplos de como é possível vencer. Ainda que tenebrosas águas (bem) profundas tenham feito parte do caminho.

Do choque ao desânimo, da dor à incapacidade, da depressão ao desespero, já todos conheceremos destas realidades. Temos de ser os primeiros a querer salvar-nos.

SOFIA, INSPIRAÇÃO NO AMOR

sofia tem cancro
Sofia em diferentes fases do processo.

“O amor cura tudo”. A frase que Sofia tem tatuada no braço ajuda-a na vida e não apenas no bloco operatório, em França, quando comoveu a equipa que tinha o seu destino nas mãos. Foi, acima de tudo, por Amor – aos seus e a si – que enfrentou todas as provações até deixar o cancro no retrovisor do seu quotidiano, que valoriza como nunca.

“As lágrimas escorregavam-me pelo rosto abaixo sem eu as conseguir controlar. Imaginei os meus filhos a correr à minha frente, num campo enorme de girassóis. Eles olhavam para trás e gritavam a sorrir, “anda, mãe!”.” Antes de perder os sentidos, com a anestesia que antecedeu a intervenção cirúrgica, Sofia acedeu ao pedido da enfermeira para adormecer com um pensamento feliz.

Sofia Isabel Vieira passou pela provação a bater nos 40 anos. Nas suas prioridades os dois rebentos pequenos que desejava acompanhar num crescimento saudável, física e mentalmente, poupando-os a traumas. Sofia explicou às crianças o seu problema de saúde e as suas hipóteses. “Olhando sempre para o lado onde a luz brilha mais forte”, prometeu-lhes que não iria a lado algum. Ficaria a seu lado.

Neste limbo esteve permanentemente acompanhada pelo marido, companheiro e principal cuidador nesta incerteza, agravada pelos obstáculos logísticos em tempos de pandemia, no “forçado afastamento no momento em que mais precisei dele”.

sofia e o cancro
O AMOR na base de toda a luta de Sofia.

“A forma como tive de aceitar que ele foi pai e mãe durante dois longos meses, e no impacto que isso teve na minha relação com os nossos filhos, quando regressei a casa. Trabalhos na casa que nos fizeram ficar submersos tantas vezes. A decisão que tomámos em assumir a nossa verdade perante família e amigos, explicando-lhes que, porque nos amamos muito, nos permitimos ser livres. Houve desentendimentos e mágoas. Houve brigas e momentos em que pensámos, mesmo que por um só segundo, que não tínhamos forças para nadar mais. Mas continuámos. Umas vezes comigo agarrada ao teu pescoço. Outras vezes contigo agarrado à minha fé”.

Nenhuma cruzada é uma história de anunciado sucesso, feito de percursos de bem definidas retas e paralelas, de certezas absolutas e decisões adequadas, justas e perfeitas. A vida não tem filtros, não é uma rede social.  

A dor costuma ser também sentimento… e bem profundo. Superá-la é uma obrigação, começando aí a revelar-se a força que tantas vezes detetamos apenas nos outros. Afinal, “para se ser guerreiro, não é preciso ir à guerra”.

“A vida compensa a dor com a dedicação incondicional daqueles que gostam verdadeiramente de nós”, recorda Sofia. De facto, sem o amor, disponibilidade e resiliência – física e mental – dos cuidadores, tudo se torna bem mais complicado.

A pequena Gabriela questionava a mãe regularmente o porquê de estar “sempre positiva”, quando esta enfermidade espalha, por hábito, estados de espírito contrários. Sofia sabe que “manter a serenidade” dos que rodeiam quem tem cancro é fundamental para que os próprios doentes assim possam sentir-se, logo mais focados no que realmente é essencial.

“Perguntei à mãe ‘vais morrer?’ Ela respondeu-me ‘não. Posso, mas não vou’, não te preocupes. E isso marcou-me muito”, revela a criança que, entretanto, publicou um livro com a progenitora sobre esta odisseia familiar: “Fernão e as coisas do Coração”.

Sofia numa luta que é de todos…

O Mundo não se resume a este mal e, mesmo na doença, Sofia não deixa de colocar tudo em perspetiva: “A mãe já viveu e testemunhou cancros bem piores do que este, alguns inoperáveis”.

LUZIR: “O CANCRO TORNOU-ME UMA PESSOA MELHOR”

Luzir antes da longa ‘aventura’…

Susana Luzir não conseguiu esconder o “choque” da notícia que ninguém deseja ouvir. Ainda assim, preferiu o combate à resignação.

“Eu sentia que não ia morrer. Era o que eu sentia…”, diz-me, com a certeza que a tornou uma vencedora. “Hoje em dia a palavra cancro já não me assusta. Gostava, até, que fosse mais falada e substituísse o termo ‘doença prolongada’”.

Quem conhece bem Susana recorda alguém que tinha pouca resistência à dor, contudo da adversidade brotou uma diferente essência. A “automotivação e força interior” sobressaíram na sua personalidade. 

“Por tudo o que passei não tenho dúvidas, o cancro tornou-me numa pessoa melhor. E, se eu consigo, é porque tenho mesmo muita força. Eu e toda a gente”, vinca.

Anos de persistência, de conquistas e recuos, desaguaram em mais uma conquista de Susana, consumada justamente no Dia Mundial da Luta Contra o Cancro.

“Hoje dei um grande passo na minha vida: fiz a reconstrução mamária após cancro da mama.

Foram anos com muitas dúvidas e medo sobre este processo, mas hoje percebi algo extremamente importante: a minha dor psicológica diminuiu imenso, sinto um alívio ️. A dor física que sinto é abafada pela alegria que sinto neste momento.

Luzir na natureza, onde mais se sente em casa.

Susana Luzir, tornou-se um exemplo de vontade, resiliência e de triunfo sobre uma doença que, cada vez mais, devemos tratar por “TU”, já que deixou de ser uma sentença de fim antecipado da nossa existência: “Não podemos evitar a morte, mas podemos superá-la umas quantas vezes. Sinto-me uma sortuda por ter ido a tempo de lutar pela vida”.

O seu exemplo espalhou-se e Susana Luzir tornou-se num dínamo de boa energia para com outras mulheres. A par dos incentivos, imensos, de gente que não conhecia de lado algum, Susana deu luz à esperança de centenas de mulheres com as mesmas dúvidas, receios e incertezas. 

“Interiormente, sofri uma transformação ainda maior do que a exterior: perdi alguns medos, aprendi a ir em frente, mesmo que os trilhos sejam difíceis, aprecio cada segundo de forma diferente, sou uma pessoa muito mais paciente e descobri que tenho uma força mental que nunca antes se tinha manifestado e que me tem ajudado a estar de pé. Retiro desta doença coisas mais positivas do que negativas, pois encaro-a como um dos muitos desafios que se cruzam na minha vida e que no final fazem de mim um ser humano melhor, com mais experiência e capaz de aconselhar outros/as que estejam em igual situação. Tenho sentido que nunca estou só! Os verdadeiros amigos jamais se afastaram, a minha família está sempre presente e vocês também! Com tudo isto, como poderia desistir desta luta e de sorrir, até nos momentos mais difíceis?
O sucesso da minha cura é o resultado da medicina, da minha força, da vossa e do fator sorte”.

Luzir, conta-me, significa “esperança e perseverança”.

“Cada dia, é um novo dia. Cabe a cada um de nós optar por ‘caminhar’ pela luz ou pela escuridão! Optarei sempre pelo caminho da luz”.

QUEM CUIDA, DEVE CUIDAR-SE

Helga é uma entre muitos milhares de cuidadores que viram a sua vida virada do avesso para se focar na saúde de outrem. Invariavelmente, a prioridade passou a ser o paciente e as suas necessidades.

Com o tempo, assiste à degradação física e emocional de quem cuida, tendo de lidar, dentro das suas próprias limitações, com essa fragilidade. O cancro exige tudo de quem o carrega no corpo e o mesmo de quem o acompanha.

“Tudo o que é importante na nossa de vida fica de parte. A prioridade é proteger a pessoa de quem gostamos”, diz Helga, assumindo que também os cuidadores necessitam de uma “âncora” que os ajude a preservar a saúde mental e emocional.  

Ajuda psicológica profissional, sempre que necessário, é algo que todos os envolvidos devem aceitar… ou procurar. Com naturalidade.

“É um processo duro e o cuidador tem um papel muito importante. Passar por isto é complicado. Na verdade, é bem fácil quebrar, desistir, fugir… Estamos bastantes vezes nesse limiar. E que ninguém sinta que é fraco por isso: somos humanos e temos essas quebras também. Temos de manter a nossa sanidade e foco. Se não estivermos bem, não conseguimos ajudar quem precisamos de cuidar. Quem cuida, deve cuidar-se”, sublinha Helga.

Longe desta realidade específica, mas partilhando a mesma visão, Sofia faz um alerta idêntico.

“Não é só a pessoa que é diagnosticada com cancro que precisa de ser cuidada, apoiada, mimada. Não é só quem passa as noites agarrada à sanita, que necessita de atenção, mas também quem lhe segura a cabeça no meio do desespero, quem lhe ampara o coração, não importam as horas, nem as vezes que lhe digo para voltar para a cama, nem os compromissos profissionais na manhã seguinte. Não é só a pessoa que fica sentada naquela cadeira inerte, com o corpo e a alma a serem-lhes violados por aquelas injeções demoníacas que carece de uma palavra amiga, mas também quem observa aquele corpo e aquela alma que tão bem conhece, serem abusados e transformados numa pessoa por vezes irreconhecível”.

O QUE ESTÁ NAS NOSSAS MÃOS?

Provavelmente, não podemos evitar a enfermidade, embora possamos diminuir o risco de a contrairmos, adotando um estilo de vida mais salutar. Estar alerta aos sinais é elementar, sobretudo para quem tem historial na família.

Descobrir o cancro atempadamente pode fazer toda a diferença, pelo que devemos estar atentos ao nosso corpo e fazer consultas de rotina, regulares ‘check-up’. Estarmos informados sobre os sintomas, sermos autocríticos e procurar segundas ou terceiras opiniões médicas, quando a primeira não nos parecer adequada ou nos deixar desconfortáveis.

Sermos seres humanos decentes e solidários ajudar-nos-á a nunca atravessarmos este deserto sós. E quem não sabe lidar com alguém que passa por este calvário, que supere essa limitação, pois cada paciente sente quem se afasta dele.

No fundo, quem vê sempre o copo meio vazio, estará meio ‘doente’, mesmo que transpire saúde, enquanto que quem o vê meio cheio, será saudável, ainda que esteja a recuperar de um qualquer mal. Lutar contra um cancro não é um mar de rosas, pois implica um processo duro, de modificação física e psicológica – ambas requerem aceitação pessoal -, mas algo que podemos ultrapassar. A nossa atitude pode ser decisiva, nessa equação.

O cancro tem de ser tratado, como toda a doença. E há vida para além dele. Independentemente de tudo mudar na nossa vida e de termos de refazer planos, cada raiar de dia continua a ser incrível. Cada pôr-do-sol um momento de magia… A luz esvai-se e temos uma nova oportunidade para podermos brilhar…

Este artigo resulta de um desafio do IPATIMUP no âmbito da iniciativa “Tratar o cancro por tu”, no qual se pretende saltar os muros da ciência e ir ao encontro da população. Uma iniciativa que inclui várias sessões com o objetivo de discutir as terapias mais recentes no combate ao cancro, simplificar conceitos, alertar para a necessidade do diagnóstico precoce, e colocar os doentes no centro da discussão.

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