Condensar as infindáveis maravilhas cénicas e peculiar herança histórica e social de Castro Laboreiro num só título é missão impossível.
Por bem grande – e, deste modo, inestético – que este possa ser. Um pequeno pedaço de terra encostado à Galiza, com pouca densidade populacional, mas com invejável e riquíssimos patrimónios cultural, social, histórico, arquitetónico, gastronómico e natural.
Perdido em montanhas acima dos 1.000 metros, o seu isolamento geográfico aliado aos rigores do inverno ajudaram a uma certa ‘insularidade’ que motivou o desenvolvimento, a todos os níveis, de um legado ímpar: os seus costumes mantiveram-se intactos até aos nossos dias.
Aqui encontramos as mais antigas tradições do Homem, a sua forma de viver e sentir. A sua cultura, arte e ofícios ancestrais. Com gentes que persistem no forte espírito comunitário. Cercadas de impressionante e rude beleza natural, mergulhadas em algumas das mais sedutoras paisagens do país…
O incomparável cão Castro Laboreiro
Eis um dos principais ícones da região – e do país – e que urge preservar. Desde tempos idos, o Castro Laboreiro é conhecido, até internacionalmente, pela sua rusticidade, carácter e nobreza. Na Idade Média servia de pagamento de tributo a reis, que o utilizavam na caça grossa. Segundo a Associação Portuguesa do Cão de Castro Laboreiro o isolamento e a sociedade agro-pastoril que se manteve inalterável durante séculos levaram à seleção de um cão guardador dos haveres familiares, reconhecido oficialmente como raça canina em 1935. Este animal, nobre e fiel, hoje em extinção, em parte devido às transformações sociais ocorridas no seu habitat, é património nacional que urge proteger. A associação criada para o efeito promove, anualmente, a 15 de agosto, um concurso tradicional que exalta as suas qualidades. Em Lamas de Mouro, um regalo apreciá-lo em ação. Leva o gado para as pastagens e no fim recolhe-o. Sozinho. Sem o dono a ‘atrapalhar’…
O místico lobo ibérico
Outrora muito abundante, a sua população atual no norte de Portugal foi drasticamente reduzida a uns escassos 300 exemplares. A caça e a redução do habitat natural causaram a sua extinção na maior parte do país. À míngua de informação, o lobo é temido pelas pessoas, sendo arrastado para injusta luta com o Homem. A sua alegada ferocidade e o roubo de animais de criação – face à igual redução das suas presas naturais como o javali, o corço e o veado, passaram a atacar os animais domésticos – levaram à sua caça sistemática, entretanto proibida: agora, estão condicionados a área geográfica muito reduzida. A destruição da vegetação nativa e a construção de grandes infraestruturas, como autoestradas, fragmentaram os seus habitats e também ajudam ao assustador caminho da extinção.
As populações rurais começarão, porventura, a perceber as vantagens de ter o lobo como aliado e de o proteger na sua zona de ação, em áreas montanhosas de menor densidade populacional e atividade agrícola pouco intensa. O desdém apenas o levará ao indesejado desaparecimento, enquanto o aproveitamento do seu ‘elan’ ajuda ao maior desenvolvimento (económico) das gentes da região, que começam a sentir os proveitos do turismo. Que, no meu egoísta desejo, espero não se desenvolva ao ponto de desvirtuar a sua essência.
O selvagem cavalo garrano
O garrano é um pequeno cavalo português, um dos raros verdadeiramente selvagens no planeta. Protegido devido ao perigo de extinção, habita (também) as zonas da serra do Laboreiro num estado semisselvagem. É um cavalo rústico, resistente, dócil e de fácil treino. Em estado selvagem é possível encontrá-lo com frequência em manadas a pastar em pura autonomia. De pequena estatura, tem cor castanha, membros robustos e curtos, perfil côncavo e pescoço grosso adornado frequentemente de uma densa crina. Nos rigores do inverno, veste-se de forte pelagem. Adaptou-se às regiões montanhosas húmidas e frias. Se há animal que aprecio na justa liberdade, é precisamente o cavalo. O nosso garrano surpreendeu-nos com uma visita ao Núcleo Museológico, troteando por estradas humanas e passeando nos seus domínios.
‘Brandas’, ‘inverneiras’ e lugares fixos
Esta vila em forma de aldeia, do concelho de Melgaço, personifica todas as virtudes naturais e históricas de uma região integrada no Parque Nacional da Peneda-Gerês. Incluindo as construções castrejas.
Com a chegada do frio e dos nevões, em meados de dezembro os habitantes da zona de Castro Laboreiro descem aos vales, onde têm uma segunda casa, formando outra aldeia. Pegam nas suas roupas, utensílios caseiros e de lavoura e levam o gado em migração massiva para zonas mais abrigadas da dureza do inverno. Deixavam a aldeia em ‘modo fantasma’ para viver nestas ‘Inverneiras’ até meio de março, quando a primavera os devolve à montanha. Uma vida de nomadismo que atualmente se presume ser seguida ainda por perto de 20 famílias. Por vezes, com casas próprias separadas por apenas 200 metros…
As brandas são os airosos ‘lugares de cima’, aldeamentos tradicionalmente habitados na primavera e verão, para os pastores em busca de melhores pastagens, enquanto as inverneiras são os abrigados ‘lugares de baixo’. Muitas vezes, apoiadas pelos lugares fixos, as suas residências de sempre.
Em qualquer dos casos, com vistas para os carvalhos que dominam a paisagem e conferem ao cenário um ar bem português, adornado ainda por pinheiros, vidoeiros, medronheiros, azevinho e o azereiro, com matos arbustivos feitos de coloridos tojos, urzes e giestas.
Nesta natureza que me cativa como poucas, podemos encontrar também veados, javalis, lontras e texugos. E até a cabra montês que, extinta em Portugal, veio das montanhas galegas do Xurês. Diz-se que um caçador galego matou uma e assustou 18 que correram pelo vale até se instalarem, definitivamente, deste lado da fronteira.
Castro Laboreiro é… Património!
Além da poética beleza natural, esta região tem muito para apreciar, visitar. O castelo de Castro Laboreiro é um dos mais emblemáticos monumentos militares nacionais. Foi destruído no século XIV por um raio num paiol de pólvora, valendo-lhe D. Dinis que mais tarde decidiu pela sua reedificação.
O conjunto megalítico e de arte rupestre do planalto de Castro Laboreiro tem 62 monumentos e é um dos maiores da Península Ibérica. Tem visíveis vestígios de pintura. Presume-se que foram erigidos entre os V e IV milénios AC.
Aqui encontramos muitas pontes romanas, românicas e celtas – Varziela, Nova, Cava Velha, Cainheiras e Dorna -, a medieval Igreja Matriz de Santa Maria da Visitação, o pelourinho e o conjunto constituído pela ponte da Assureira, capela de São Brás e moinho de água. Os fornos comunitários e os moinhos de água são exemplo da vida em comunidade de um povo de forte caráter, habituado às maiores agruras, mas que sabe receber.
Gastronomia
Quem gosta de se tratar (muito) bem à mesa, está no sitio certo. Quem pode ficar indiferente a enchidos, cabrito ou bifes de presunto? Acompanhados de broas de centeio e milho, sopa seca de pão duro e no fim bucho doce. Estes são os pratos mais tradicionais de Castro Laboreiro, obviamente confecionados com produtos da região. Iguarias presentes em menus reforçados regularmente com outros apetitosos pratos de outras zonas do país.
Os visitantes podem encontrar opções de alojamento resultante da recuperação de casas típicas, castrejas e moinhos. Muitas junto ao rio Laboreiro, que tem apenas uns 20 quilómetros até desfalecer no Lima. Nessa curta vida, formam-se rápidos e cascatas propícios à prática de desportos aquáticos bem como a pesca desportiva.
Em volta, altivas montanhas, escarpas e penhascos, a mais de 1.000 metros de altitude, e que se alternam com profundos e frondosos vales.
Núcleo Museológico de Castro Laboreiro
Em caminhadas pelos vários trilhos, bicicletas BTT, cavalo ou em viaturas 4×4, sobra o que explorar por esta região – é favor meter no roteiro as aldeias de Rodeiro, Alto da Portela de Pau, Pedra Mourisca, Alto dos Cepos Alvos, Portos e Varziela – cada vez mais procurada por estrangeiros, ávidos de arrebatadora natureza, paz, envolvência e fusão com a natureza…
Quando cá chegarem, o melhor é visitar o Núcleo Museológico em Lamas de Mouro, que explica tudinho sobre o que podem encontrar.
Nestas terras também se desenvolveram palavras únicas. Por exemplo, no fim de rabiscar este texto, apetecia-me “tuplear”. Não tenho “bibo” para “apajar” e não sou um “trastabulho”, muito menos “aboujado”. Até podem pensar que sou um “candamalho”, mas não fico “encarrafuçado”. Acreditem ou não, faz sentido.
Mas não se distraiam com inúteis jogos de palavras. Comecem a planear uma visita a Castro Laboreiro!
72 Comments
É sempre tão bom ler-te, fui até lá outra vez. Para o ano voltámos, e em equipa 🙂
O mesmo posso dizer de ti, Miriam 🙂 E, seguramente, uma bela equipa :)) Bjkss e abraços a toda a família…
Que lugar interessante! Cada vez mais, tenho vontade de conhecer Portugal! Fiquei encantada com a paisagem do vídeo! 🙂
Ana Paula.. não percas tempo 🙂
Olha, que lugar interessante e o post também. Legal saber sobre os animais da região, a gastronomia, o costume de mudar de aldeia com o inverno. Nossa, muito bom mesmo e diferente. Parabéns pelo artigo.
Obrigado, Michela. Aconselho a visita na próxima vez em Portugal… Beijinho e boas viagens…
Portugal é um dos lugares que todos deveriam conhecer, e essa região próximo a Galícia é linda! As fotos também estão lindas!
Sim, Flávia, Portugal é um destino maravilhoso repleto de lugares sublimes 🙂 Ainda bem que conheces. Beijinho e boas viagens…
Achei a abordagem do post muito interessante, começar com espécies da fauna local e dar detalhes curiosos sobre cada uma.
Um lugar que ainda não tinha ouvido falar, muito bom!
Obrigada pelas informações.
Obrigado, Fabíola. Um dos melhores lugares de Portugal para visitar… bjks e boas viagens…
Quantos animais interessantes e bem típicos da região. Fiquei com muita vontade de provar os enchidos, parecem deliciosos.
Luciana, só mesmo provando 😉
Adorei o relato do passeio, muito contato com a natureza, paisagens belas e de quebra uma prova da gastronomia. Os enchidos me pareceram deliciosos.
Que interessante o post. Muito bem escrito!
Obrigado, Lulu 🙂 Desejo de boas viagens…
Que post maravilhoso, adoro seu estilo literário, esta matéria é inspiracional e me faz querer largar tudo imediatamente para conhecer toda esta região e vivenciar estas experiências.
Fábio, muito obrigado pelas palavras. Vindo de ti têm um significado especial 🙂 Grande abraço e ótimas viagens!
Legal conhecer tanta curiosidade. Obrigada por compartilhar…
🙂 Beijinho e boas viagens.
Estou indo para Portugal em junho, mês que vem, e ainda não tinha lido sobre esse lugar! Amei e já tô tentando reorganizar o roteiro pra incluir a sua dica! Parabéns pelo post! Você escreve muito bem!
Muito obrigado, Naná 🙂 O Alto Minho é região de grande beleza natural e com uma gastronomia bem apetecível. Boa viagem por Portugal!
Que legal o post!!! Adorei saber mais da fauna desse local… Parabéns!!!
🙂
Ainda não conheço Portugal, esta na minha lista à tempos já.
Adorei as curiosidades sobre essas tradições, não conhecia.
Lindas fotos. Obrigado por compartilhar.
Diego, Portugal é país que bem merece uma visita 🙂 Abraço!
Que lugar interessante! Adorei saber sobre os animais, a gastronomia. Achei bem interessante o relato sobre a raça de cachorro da região.
Obrigado, Cristina 🙂 Beijinho e boas viagens!
nuss o último parágrafo ali é cheio de palavras bizarras que nunca ouvi falar huahea achei engraçado o trastabulho!
Angela, apenas mais um atrativo para visitar a região. Na verdade, eu também não conhecia, até visitar… 🙂
Que prazer ler blogs de viagem! Nunca tinha ouvido falar dessa região de Portugal, muito menos de suas características. Obrigada por compartilhar!
Obrigado, Márcia. Beijinho e boas viagens 🙂
Esse post é totalmente diferente de tudo que já vi em blogs. Parabéns. Gostei muito, sobretudo, da história do cão Castro Laboreiro. Uma pena que a espécie está em extinção.
Obrigado, Gisele. Pensa em visitar a região… beijinho e boas viagens… 🙂
Adoro teus textos, Rui!
Fez aumentar ainda mais a vontade de conhecer Portugal! Só não entendi nada do último parágrafo, hahaha.
ah ah ah 🙂 OBrigado, Gê! Quando vieres a Portugal, têm estadia em minha casa, no Porto. Toca a meter nos planos de viagem!! 🙂 Beijinho e boas viagens!
Essa comunidade parece ser muito interessante de visitar! Achei muito legal você contar sobre os animais e sobre a vida nômade das pessoas da região!
🙂 Beijinho e boas viagens!
Rui, que bela ode ao Gerês e a Castro Laboreiro. É uma zona belíssima do nosso Portugal (senão a mais bela) que eu não me canso de visitar. E tenho uma ligação muito próxima a Castro Laboreiro: cresci com uma cadela desta raça, a minha fiel companheira durante 13 anos: dos 8 ao 21. Não fazia ideia que estavam em vias de extinç˜åo, mas posso atestar que são uma raça companheira, protectora e fiel como há poucas.
Parabéns pelo artigo!
Rui, que bela ode ao Gerês e a Castro Laboreiro. É uma zona belíssima do nosso Portugal (senão a mais bela) que eu não me canso de visitar. E tenho uma ligação muito próxima a Castro Laboreiro: cresci com uma cadela desta raça, a minha fiel companheira durante 13 anos: dos 8 ao 21. Não fazia ideia que estavam em vias de extinç˜åo, mas posso atestar que são uma raça companheira, protectora e fiel como há poucas.
Parabéns pelo artigo!
Concordo contigo, Diana. Há poucas zonas de Portugal tão belas 🙂 E parabéns por teres um belo companheiro durante importante fase da vida. Beijinho e boas viagens…
Achei o local bem interessante e a forma como você nos passa essas dicas são sempre muito boas.
Obrigado, Leo 🙂 Beijinho e boas viagens…
Que post interessante gente. Adorei saber mais sobre esses animais! Parabéns pelo post.
Obrigado, Keul. Abraço e boas viagens!
Que zona tão bonita do nosso país. Acreditas que já não vou lá há alguns anos? Confesso que sempre que posso oiço o “chamamento” do sul…
Catarinaaaaaaaaaaaaaaaaa… inflete a direção!! O Norte tem DEMASIADOS lugares interessantes para viajar!! 🙂 Bjks e boas viagens..
Que lugar incrível, fiquei encantada e com vontade de conhecer.
É meter na “must-visit list”, Deisy 🙂 Beijinho e boas viagens…
Na minha adolescência passei muitas épocas em Castro Laboreiro com os meus pais, tanto no inverno como nas férias de verão. Não há cão como aquele!!!
Filipe, agora que falsa… deu-me uma vontade INDOMÁVEL de voltar aquelas paisagens incomparáveis, gente boa e comida do melhor… Sim, não há cão como aquele… abraço!
Mais um enorme trabalho. Grande promoção do nosso castro laboreiro, uma raça única. Toda esta zona e digna de visita. Parabens
Vítor, temos imensas coisas boas no país que merecem a devida divulgação e homenagem 🙂 Abraço!
Mais um lugar incrível de Portugal que tenho que conhecer. Além da paisagem e gastronomia (claro), fiquei maravilhada com a fauna local. Castro Laboreiro deve ser realmente encantador! Obrigada por mais esta dica valiosa, Rui!
Nicki, é bem lá em cima de Portugal… um lugar bem especial, verdadeiramente mágico e singular… 🙂
Muito legal essas tradições. Conhecer essa parte é algo que da mais e mais vontade de viajar.
São do melhor que Portugal tem em termos de Património Humano, Histórico e Cultural…
Um lugar encantador de fato! Mas o que mas me chama atenção é a quantidade de animais com risco de extinção. Um pouco triste…
Voltando ao assunto, adorei conhecer mais este cantinho de Portugal.
Itamar, um destino que bem vale uns dias de total relaxe… natureza maravilhosa, gente fantástica, gastronomia viciante… e uma herança cultura e histórica fantásticas…
Esse cão lobo são lindo demais, queria ter um porém moro em alagoas brasil aqui é muito quente ele não se aditará aqui.
Provavelmente não seria o melhor lugar para este fantástico cão 🙂 Por isso, aconselho uma viagem de Alagoas até Castro Laboreiro para poder ver, in loco, uma das mais entusiasmantes regiões-maravilha de Portugal.
Penso visitar Castro Laboreiro, faz anos! Excelente artigo que me deu vontade de ir ja!Obrigado
Vítor Martins, um dos lugares mais fantásticos deste nosso incrível Portugal :))) Faz as malas e metam-se a caminho :))))
Adorei o artigo, a paisagem e conteúdo, mais um local adicionado a minha lista para viajar. Obrigado.
Adorei o artigo, a paisagem e conteúdo, mais um local adicionado a minha lista para viajar.
Gostei desse blog, salvei até no meus favoritos em meu navegador.
Número do luccas neto
Obrigado, Leandro. Parece-me excelente opção 🙂
Gostei desse blog, salvei até no meus favoritos em meu navegador.
Número do luccas neto
Obrigado, Luccas Neto… foi excelente opção :)))
Muito interessante seu post e suas viagens estou sempre acompanhando
Christian, seja (sempre) muito bem vindo 🙂 Que continue por aí…