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Sri Lanka: comboio que é ruralidade em doce câmara lenta

Sri Lanka: comboio que é ruralidade em doce câmara lenta

Nada como explorar o Sri Lanka num velho comboio… 

Gosto de cinema. Sobretudo das imagens que desfilam diante de mim em ritmo de passeio. Aquelas que exultam cada um dos nossos sentidos. É assim que vou explorando o Sri Lanka: sentado na porta de um comboio, ar fresco no rosto e sublime paisagem a espraiar-se diante do olhar. Haverá melhor longa metragem do que esta envolvente ruralidade a embrenhar-se assim em nós?

Verdes. Muitossssss verdes. A perder de vista. Estas terras altas dedicam-se ao chá que nos delicia em todo o Mundo. E a diversidade de flora é tal que compõe um fresco ramalhete muito mais natural do que humano.

O céu persiste num azul translúcido. Gosto dos dias soalheiros no Sri Lanka: as cores teimam em trajar as suas tonalidades naturais. Não embirram. Não se escondem. Orgulhosas das suas origens. Intensas.

O sol presenteia-nos com uns 30.º, pelo que lugar, sentado, na escadaria de entrada/saída do comboio é dos mais procurados. Chegará a minha vez de me apossar de um. E, acreditem, não há melhor forma de ver o filme “ímpar Sri Lanka”.

Kandy. Nuwara Ellya. Ella. Excelentes zonas para caminhadas e exploração de natureza no estado mais bruto. Quem visita este luxuriante país tem estes nomes bem enraizados na mente. Não admira, por isso, que sejam muitos os estrangeiros a viajar de comboio. Segredo? Aceitar pagar a segunda classe… e viajar na terceira. Aí, sim, experiência genuína. Local. Na segunda – e na primeira, quando a há – a fotografia é demasiado ocidental para o desejado.

As estações vão recebendo estrangeiros, normalmente em zona diferente dos locais. Não entendo. Nem os WC ‘especiais’ para quem não é nativo. Com todos os ‘luxos’. Na verdade, quem para aqui vem… a ideia não é experienciar o dia a dia local? O rabinho agradece as ‘mordomias’, mas…

Encontrar lugar sentado nas escadas das velhas locomotivas pode ser batalha hercúlea. Não falta quem deseje as melhores fotos e momentos. E, acreditem, ninguém mais do que os obstinados turistas chineses. A suposta ‘imagem perfeita’ é um verdadeiro filme de terror: normalmente, os namorados, sôfregos, a fazer o melhor possível para agradar às donzelas, insensíveis ao seu esforço, e lestas a criticar. E a preparar-se, de imediato, para posar uma e outra vez – uma exaustão que já chateia – para a ‘foto Facebook – instagram’.

Hoje, sei que não irei(emos) para o céu. Há uma jovem chinesa que nunca aprendeu sobre a noção do ridículo. Salta de janela em janela, porta em porta. Exige ao namorado que faça isto e aquilo. E que toda a gente se adapte aos seus interesses e caprichos. Há uma paragem em apeadeiro. O pobre coitado já está na linha, fora do comboio, a tirar o registo ‘um milhão’. Vem uma locomotiva em sentido contrário. Ele não se apercebe. Ela está excessivamente focada na sua foto maravilha. Berro-lhe a plenos pulmões para o alertar. Para ele, um alívio. In-extremis. Ela? Inexpressiva. Choca.

Ao ponto do belo ‘dream team’ de portugueses decidir boicotar-lhe, assertivamente, todas as posteriores tentativas de fotos que impliquem a gentileza de nos deslocarmos, mesmo que por segundos, de posição para saciar a sua vertigem fotográfica de autorretrato. Nunca vi algo assim. Mas a comunidade do ‘Império do Meio’ (China) é, claramente, a mais ávida de eternizar o momento perfeito. Esquecendo de usufruir uma das mais belas experiências no país. Bom, como dizia, o céu pode esperar…

Nada poderei fazer na mítica ‘Nine Arch Bridge’ (Ponte dos 9 arcos), uma das mais icónicas do país, deixadas pelos ingleses, quando a ilha era uma sua colónia. Construída em 1921, tem 91,44 metros de comprimento, 7,62 de largura e 24,38 de altura. Aqui só vêm os turistas. Há quem chegue de ‘tuc tuc’, mas nós descemos a íngreme colina a pé.

Não são muitos os comboios diários, pelo que a espera pode ser… demorada. Quando a velha locomotiva se anuncia, ainda antes de se ver, é um frenesim que surpreende. Camaras em riste, sorrisinhos de excitação e azáfama total. Quando entra na ponte, segue o seu ritmo arrastado, como se fosse uma canseira fazer o seu trabalho. As janelas apinhadas de gente, que já espera esta receção no lado de fora. Uma interação gira. Nada de verdadeiramente surpreendente. O momento vale mesmo pela ‘bondade’ e boa onda dos cingaleses. Que contagia.

Os ‘saris’ das mulheres emprestam um colorido singular a qualquer cenário. Mas são as rugas que mais me impressionam. E o seu sorriso. Não importa o quão dura possa ser a sua existência… há sempre uma doce expressão no rosto.

Deambulando pelos campos de chá não encontraremos quem fale inglês. Desnecessário para nos entendermos. Calam-se as vozes, mas desabrocham outros sentidos e formas de comunicação. Mãos invariavelmente empedernidas. Dentição demasiado precária. E rugas que nos contam a mesma história de vida de todos quantos aqui encontramos: nascer, viver e morrer para e pelo chá.

Em cada estação ou apeadeiro, o mesmo postal dos anos 50…60. Nas cores. Nos trajes. No excesso de mercadorias. Nas lágrimas de despedidas. Nos abraços da saudade. Passam as cidades. Os apeadeiros. Os sorrisos furtivos para os viajantes. Os braços levantados a acenar.

Em muito lembra uma India… (muito) mais comedida. Aqui tudo é limpo e asseado. O bem público e todas as coisas merecem o esmero de todos. E o ‘todos’ são muito poucos, comparando a densidade populacional com o vizinho asiático.

Quando vamos apeados com os pés de fora do comboio, estes devem ir juntinhos à composição, bem encolhidinhos. Muros, arbustos, postes e imprevistos vários podem surgir. E não será agradável. Neste caso, os meus amigos fazem como eu digo. Não como eu faço. Descuidado, relaxado, não percebo que estamos a chegar a uma estação. Baterei com os pés na plataforma de pedra. Com alguma violência, a mesma que mos arrasta no solo até os conseguir libertar e subir. Auchhhhh… Nada partido. Apenas dorido. E um negro nos pés que servirá de aviso para futuros momentos assim incautos.

Mas o que interessa isso agora? Nada mais interessa do que esta brisa que molda a pele neste calor e humidade com denso sabor a Ceilão. Pouco me importa além de estar rodeado de novos (fantásticos) amigos. De nos aquecermos com sorrisos que também nos refrescam. Incomparável esta sensação de voltar a um tempo mais inocente. Em que a ruralidade impera e define o ritmo de vida. Aqui, intemporal. Sem qualquer pressa de acontecer…

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42 Comments

  1. Joice

    O Sri Lanka me desperta muita curiosidade, ainda não temos nenhuma previsão de viagem pra lá, mas quero muito conhecer. Parabéns pelo blog!

    1. Rui Batista

      Muito obrigado pelas palavras, Joice 🙂 Vá! Vai AMAR TUDO o que encontrar…

  2. Francisco Manuel Fernandes Agostinho

    Realmente…naquilo em que as pessoas se tornam com um smartphone na mão, porra…O que vale é que penso “Ok, os lugares não têm culpa deste frenesim e loucura”.Mas também penso: “mas o que seria agora destas pessoas se lhes tirassem o brinquedo ?? Ui…Quais criancinhas a berrar, aí sim haveria motivos para uma revolução à escala mundial heheh Qual fome no mundo, qual quê…
    Grande abraço, amigo, desculpa hoje estou muito caústico.

    1. Rui Batista

      Dá-lheeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee Francisco :))) Grande abraço e boas viagens!

  3. itamar japa

    Suas viagens são verdadeiros sonhos… A maneira com que você transcreve cada detalhe soa como um verdadeiro poema! Adoro seus textos! O siri Lanka fica muito mais contagiante com sua narrativa!

    1. Rui Batista

      Itamar, deixaste-me sem palavras :)) Muito obrigado pelo feedback. Um ótimo tónico para quando falta a energia para escrever… grande abraço e boas viagens!

  4. Dayana

    Que sensação incrível! Realmente de voltar no tempo! Seu texto parece poesia de tão lindo e leve. Adorei!

    1. Rui Batista

      Dayana, muito obrigado pelo comentário 🙂 Beijinho e boas viagens…

  5. Luciana Rodrigues

    Uma lenta imersão no tempo e em essa natureza verde e abundante. Maravilhoso!

    1. Rui Batista

      🙂 Obrigado, beijinho e boas viagens, Luciana…

  6. Keul Fortes

    Muito curioso! Confesso que nunca coloquei Sri Lank na lista de destinos. Mas gostei muito de saber suas dicas!

    1. Rui Batista

      Sri Lanka é uma bela surpresa… aconselho 🙂 abraço e boas viagens…

  7. Fabíola Moura/Família que Viaja Junto

    Ahhh, os passeios de trem. Adoro o ritmo vagaroso que nos faz contemplar cada paisagem com calma e prazer.
    E essa sua viagem de comboio revelou ótimos momentos. Tudo bem que tinha uma jovem chinesa no meio do caminho, rsrsrs, mas isso só deixou o seu relato mais curioso.
    Ótimo post!

    1. Rui Batista

      Obrigado, Fabíola 🙂 É pena nem toda a gente apreciar a verdadeira beleza do caminho. Beijinho e boas viagens…

  8. Contramapa

    Belo relato, adoro andar de comboio e tive uma experiência semelhante há uns anos na Tailândia. Foi quase uma viagem no tempo… mas com dezenas de smartphones à mistura. O Sri Lanka ainda não visitei, mas tenho uma amiga que teve uma experiência terrível no comboio, há uns anos. Tu sentiste-te sempre seguro dentro da locomotiva?

    1. Rui Batista

      SEMPRE seguro… em todo o lado 🙂 Claro que pode haver problemas em qq lado ou país. Aqui, convém ter algum cuidado. A amigo furtaram valioso material fotográfico. Dois dias depois foi contactado por um fotógrafo profissional. A quem tentaram vender a máquina. Recuperou tudo. Graças ao gesto altruísta de alguém que bem poderia lucrar com a situação. Beijnho e boas viagens…

  9. Pedro Henriques

    Mais um excelente relato Rui. Essa viagem de comboio deve ter sido uma bela experiência, que poderia ter acabado mal para a chinesa viciada em fotos eheheh. Vejo que adoraste o Sri Lanka. Diz-me é um país a ter em conta para uma viagem com crianças?

    1. Rui Batista

      Pedro Henriques, acho que não haverá stress quanto a crianças. Bom, preferencialmente com mais de quatro anos. Não tenho filhos… complicado avaliar… mas pareceu-me perfeitamente seguro e surpreendentemente organização. Falta-me ajuizar a qualidade dos serviços de saúde. Mas… VAI!! 🙂 Grande abraço!!

  10. Juliana Rios (Juny)

    Adorei o seu relato, o passeio deve ser impressionante!
    Primeira vez que leio algo sobre o Sri Lanka, fiquei curiosa para conhecer o país.

    1. Rui Batista

      Juliana, um país muito interessante. Mesmo. Leia mais registos de outros bloggers que passaram por lá. Boas viagens…

  11. Edson Amorina Jr

    Nunca pensei em viajar para e pelo Sri Lanka, adorei! E que bom que seu pé só sentiu a dor da pancada, nada grave e pode continuar.

    1. Rui Batista

      Edson, foi mais sorte do que juízo 🙂 Um belo destino, o Sri Lanka. Pensa nisso nas tuas próximas viagens…

  12. Jair Prandi

    Bela experiência! Adoro estas aventuras de convivência com os meios de trasporte e o dia dia destes lugares diferentes. Muito legal!

    1. Rui Batista

      Obrigado, Jair. Desejo iguais aventuras. Em viagem tenho predileção pelos momentos de deslocação… ADORO todo o tipo de transportes públicos.

  13. Carla Mota

    O Sri Lanka nunca me atraiu muito. No entanto, cada vez estou mais atenta e com vontade de conhecer o país. Este comboio é algo que gostava de fazer.

    1. Rui Batista

      Carla, o Sri Lanka vai entusiasmando cada vez mais quanto melhor o conhecemos. Foi excelente surpresa na Ásia. Um dia vais metê-lo na tua lista de desejos 🙂 bjks e boas viagens…

  14. Camila Lisbôa

    No trilho de trem (ou comboio rs) as viagens parecem mais lentas e mais bonitas aos meus olhos 🙂

    1. Rui Batista

      Camila Lisbôa, estamos em sintonia :))

  15. Renata Rocha Inforzato

    O Sri Lanka era um país longínquo pra mim. Até estudar com um de lá. E o que vc descreveu neste texto tão poético lembra muito o que eles me contavam e o jeito de me contarem. Parabéns

    1. Rui Batista

      Obrigado, Renata 🙂 Aconselho a visitar os seus amigos. Vai gostar muito do país.

    1. Rui Batista

      Obrigado, Adriana 🙂 Sim, há países em que os locais nem sempre são tratados de igual forma face aos ($$) estrangeiros… uma pena. Beijinho e boas viagens…

  16. Luiza Cardoso

    Como sempre você metido em alguns perrengues hein! rss! Sempre volto roxa das aventuras também, considero meus troféus da jornada! haha!
    Que delícia parece ter sido esse passeio de trem! Acho que não tem presso a calmaria de poder curtir a paisagem enquanto se locomove! =)

    1. Rui Batista

      É mesmo isso, Luiza 🙂 NADA se compara a boas aventuras de comboio… o Mundo desfila para nós com outra beleza e intensidade 🙂 Beijinho e boas viagens…

  17. angela sant anna

    com ctz uma experiencia inesquecivel! gostei muito desta parte
    ~ Nas lágrimas de despedidas. Nos abraços da saudade. Passam as cidades. Os apeadeiros.~

    1. Rui Batista

      Nem mais, Angela 🙂 Obrigado pelo comentário. Beijinho e boas aventuras…

  18. Tatiane Dias

    Até pouco atrás eu nunca tinha pensado em conhecer o Ski Lanka. Atualmente, depois de alguns amigos irem, passei a buscar mais informação e já coloquei na lista e suas fotos ajudaram muito nisso.

    Parece ser realmente um lugar muito diferente.

    1. Rui Batista

      Não encontrei qualquer brasileiro no Sri Lanka… e é pena, pois é um destino bom, seguro, financeiramente acessível e potenciador de uma excelente experiência cultural…

  19. Leo Vidal

    Adoro o seu texto, a forma como você se prende aos detalhes que nos fazem sentir com você na viagem. Parabéns sempre. Entrando em detalhes turísticos foi bom saber dessa opção de comboio em Sri Lanka.

    1. Rui Batista

      Leo, muito obrigado pela simpatia das palavras 🙂 Nas viagens, são os ‘detalhes’ que fazem toda a diferença. Abraço e boas viagens!

  20. Margareth Vasconcellos

    Gosto muito de viajar de trem, é a minha forma favorita de locomoção. E o seu relato está ótimo! Sobre a chinesa, notei que as mulheres de lá são mesmo muito ávidas pela foto perfeita que irá aplacar os fãs nas redes sociais. Estava numa ruína aqui na Turquia e duas meninas, chinesas, mas se preocupavam em conseguir o melhor ângulo, do que aproveitar o lugar. Bem, cada um escolhe como quer desfrutar melhor a viagem…mas é interessante, para dizer o mínimo, de se observar…(rs)

    1. Rui Batista

      Nem mais, Margareth. Acho que há demasiada gente preocupada com a imagem e pouco com o conteúdo. Cada um faz como lhe apetecer… mas a experiência será, certamente, menos rica e intensa. Beijinho e boas viagens…

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