Não haverá no Universo muitos lugares assim…
Quando as húmidas abas da entrada da tenda se afastam e o céu ameaça explodir em quentes lilases, perceberei num instante que este será um dos mais belos nasceres de dia desta existência que gostaria que fosse imortal.
Sem pressas, o desafio cromático vai mudando a cada minuto: horas antes, tinha adormecido com imenso céu, densamente estrelado. Agora, ainda mal desperto, sinto que os astros desfalecem. Em doce câmara lenta, vão sendo substituídos por tonalidades cada vez mais diversas e vivas. Densas. Cativantes.
Estou em parte elevada da encosta da cratera do mítico Ngorongoro – não haverá no infinito universo muitos lugares com esta beleza, com a particularidade de albergar os cobiçados ‘big five’ em safari que será inesquecível… – num quase improvisado campismo no qual se destaca uma árvore, no meio de dois hectares de apetitosa erva. Tão grande e bela que amiúde imaginarei que todo o universo são tão-só os seus múltiplos braços… Gosto do exercício de me deitar junto às raízes, sentir-me minúsculo ao lado de uma formiga e explorar a diversidade das paisagens e surpresas de cada ramo…
Sim, está frio. Um gelo, na verdade. Dormi vestido (roupa do dia a dia) dentro de saco-cama e, ainda assim, bati o dente toda a noite. O que importa isso? Agora, deixou de contar, tal o calor que me invade o espírito. O peito e a alma.
Revelar-vos a música que escolho para o mp3 é despir-me demasiado. Desnecessário de todo, certo? Sugiro-vos que imaginem este momento idílico ao som do vosso tema favorito. Ao contrário de vós, não precisarei de fechar os olhos. A magia está toda aqui, diante o meu incrédulo ‘maravilhar’.
Uma e só uma música. Que passa duas vezes. Para quê mais? Afinal, esta sonoridade islandesa vem de muito longe… Natureza é a melodia que mais desejo ouvir. E a sinfonia do despertar de Ngorongoro é tão, mas tãooooooo…
Na véspera, no mítico Serengeti, já tinha sido um deleite. Os tons espalharam-se no horizonte em matizes mais alaranjadas. Ao nível do ‘alerta de perigo’ sobre incautas ousadias na savana que neste momento não interessa relatar. Em registo mais sereno, gosto de recordar que fomos visitados, pelo menos, por búfalos e hienas, que tentaram invadir algumas das tendas. Melhor teria sido se esse inesperado tivesse como protagonistas as girafas que pintavam o madrugador retrato bucólico na estrada que serpenteia na montanha antes de desaguar em Ngorongoro.
“Shô! Vai embora, hiena!”, foi expressão que ouvira mais do que uma vez. Guardarei na memória esses temíveis avisos noctívagos de gentil voz feminina. Tenho para mim que teria resultado melhor chamar-lhe qualquer outra coisa. Legítimas dúvidas de que estes bichos respondam a aflição soltada em bom português.
Não serei o único a madrugar. Novamente. O privilégio de estar num dos sítios mais desejados do planeta não se compadece com horas de sono desnecessárias. É tempo para desfrutar. Sentir. Eternizar na memória…
Calmamente, cada um escolhe o seu canto. Íntimo e intimista. Sem falar, cada qual instala-se, contempla e abre a mente, estendendo a mão aos seus pensamentos mais íntimos. Ninguém escapa à poderosa energia envolvente de Ngorongoro: estamos na cratera que guarda em si todos os sonhos do Mundo…
26 Comments
que legal! Ainda não conheço nenhum país pra esses lados mas é tudo tão lindo. Vou pesquisar mais sobre eles e planejar uma visita.
Tharsila, pesquise mesmo, pois valem MUITOOOO a pena 🙂
Que lindeza! Não sei dizer o que está melhor: o texto ou as fotos!
Certamente a beleza de Ngorongoro foi responsável por parte da tua inspiração. 😉
Helen, Ngorongoro é experiência impossível de esquecer… e contei apenas o despertar, nem avancei pelo safari que foi maravilhoso.
África apaixona de forma arrebatadora…que experiência incrível:)
Ana, África tem destas coisas… 🙂 Um dia levo-te a esta África, boa?
Nossa, viajei nesse texto! O lugar é lindo e a forma de relatar essa beleza me encantou. Vejo, agora, a Tanzânzia, com outros olhos!
Suzy, sem dúvida que é dos mais encantadores países africanos… aconselho a meter na lista 🙂
Já está há tantos anos no topo da lista que vai ter de ser mesmo em breve. Essa história das visitas das hienas e outros animais fez-me lembrar algo que também vivenciei no Botswana onde também o campismo é ao lado das feras da natureza – sem barreiras. Quem viaja para esta África sabe como se entranha em nós para sempre. Óptima descrição do cenário e fotos!
Nem mais, Jorge 🙂 África tem uma mística única… e quem por lá anda uma vez… Não há semana em que não deseje voltar…
Na Tanzânia visitamos mais as praias e fiquei bem impressionada com Chumbee Island. Realmente o lugar é um paraíso.
Luciana, ainda não conheço a ilha Chumbee… será para a terceira vez que for a Zanzibar 🙂
Tanzânia realmente é um local único! Adoro seus textos pois misturam poesia com informação. Agora fiquei com vontade de visitar esse local, bem pertinho da natureza selvagem.
Marian, não há dia em que não sonhe voltar… 🙂 Aconselho MESMO a Tanzânia como belo destino Africano…
A Tanzânia me parece um lugar muito bonito!! Temos que desbravar mais esses cantos do mundo! É tudo muito diferente!
Fabio, é uma aposta mais do que ganha: África é única e a Tanzânia um dos seus mais mágicos destinos…
Ainda bem que as hienas africanas foram alfabetizadas em português.. ahahhahah.. Fantástico!
Lugar lindo e fotos idem! Parabéns pelo trabalho!
Obrigado, Bob 🙂 Acho que nesta selva só falta mesmo um ‘Wolf’ :))) Sugiro um safari inesquecível em Ngorongoro…abraço e boas viagens!
Que fotos!! <3 A Tanzania está nos meus planos para os próximos anos, seu texto mudou minha percepção de como ver o país.
Aline, a Tanzânia é, sem dúvida, das melhores e mais estimulantes opções para experienciar África…
Sensacional! Seus textos me levam para uma viagem real na mente. Obrigada por compartilhar. Ainda não conheço a Tanzania, mas certamente quero conhece-la um dia.
Eloah, vale mesmo a pena meter na lista 🙂 Um grande beijinho e boas viagens…
Esta África, ainda não conheço, mas quero muito! Consigo viajar com as tuas palavras e fotos até lá! Obrigada! Boas viagens!
Obrigado, Susana. Mete na tua vasta lista de viagens 🙂 Acredita que o Mundo vai parecer “outro”…
Ai, este continente que nos mexe com a alma e nos expõe as fragilidades. É o céu, são as árvores, é a natureza bruta, tudo se conjuga para nos fazer sentir pequenos, na realidade para nos colocar no nosso ínfimo lugar no cosmos. Eu sou apaixonada pelos gigantes embondeiros. Dizem os sobas que elas já nascem sábias… Não me parece que essa árvore fosse um, mas teve o mesmo efeito. É como um regresso ao regaço materno
Ruthia, vejo que poucos ‘sentem’ África assim 🙂 E como é bommmmm lêr-te. “Encaixas” perfeitamente em África e na minha forma de ver e sentir o Continente. Também me recordei dos belos embondeiros… e imaginei que aquela árvore era MESMO todo o Universo. Beijinho e boas viagens…